1ª quinzena de abril
Cantata
Olha, cara, vou falar com sinceridade: em outros tempos, outra época da minha vida, eu teria cedido às suas insinuações e o teria levado pra cama, com certeza, com ou sem cerveja; teria dado um beijo no meio da praça, passado as mãos pelas suas coxas até seu membro ereto (imagino que ele assim estivesse, ao meu contato), teria puxado seu rosto pelos cabelos e molhado sua boca, seu queixo, lamberia seus olhos. Anos atrás e você não me escaparia. Porém, a vida é essa droga mesmo: a gente é moderna, “ prafrentex ”, sem preconceitos, idéias abertas, hormônios pulsantes. Mas a idade vai chegando, ou melhor, os números vão aumentando. Com eles aumentam também os hormônios, mas, infelizmente, aumentam nossos preconceitos, e ficamos cheios de “não me toques”, principalmente em público. Esse nosso papo aberto, informal, coloquial e incorreto, nossos poemas abstratos feitos ao acaso, sem macularmos o papel, sem a caneta nas mãos suadas talvez pelo “tesão contido”; esses elogios cheios de dedos, meias palavras à luz da tarde que cai, despenca, não passa de disfarce, máscara sem carnaval. Se a lua tivesse nos alcançado, quando fugimos correndo, qual dois vampiros que fogem do sol, acho que não escaparíamos. Ainda bem que tivemos juízo. Vou confessar: não morro de atração por você e sei que você não morre de tesão por mim. Olha lá, cara! Sou até mais velha e estou com o corpo fora de forma. Mas o nosso caso é mental, é poetal , é epistolar. Poeta , se cuida , que me cuido aqui, pois se nossas linhas se encontrarem não sei se haverá bombeiro, marido traído ou guria bonita que consiga trazer de volta alguma sanidade à nossa escrita, alguma lucidez ao nosso encontro!
Esfriar meu fogo? Não posso, pois sou carne em brasa, mulher afogueada, alma ao descaso escrevendo ao acaso um poema de amor.