COLUNA DE THATY  MARCONDES 
Na área empresarial, trabalhou na implantação de projetos de administração, captação e aplicação de recursos, e ainda em redação e revisão de textos técnicos. Nascida em Jundiaí, reside atualmente em Ponta Grossa/PR, onde exerce o cargo de Conselheira Municipal da Cultura.

2ª quinzena de setembro - Coluna 51
(Próxima coluna: 3/10)

PÃO & ÁGUA

Estou a pão e água.

O pão veio seco, esfarinhando-se entre meus dedos, entalando na garganta ressequida dos brados no escuro, nos recônditos esguios da alma; a água inundou minha boca, escorreu pelos cantos, molhou a blusa, transpareceu vestimentas-âmago.
Antes o pão; depois a água.
Primeiro a pasmaceira, a mudez; depois os gritos; por último a rouquidão. Fez-se o silêncio do choque-elétrico.
Longo tempo, um intervalo de seca quase areia-nordeste, depois do vento seco que só levantou poeira, um tanto de água. A água veio salgada, escorrendo face abaixo. Choveu lágrima no meu sertão.
No estômago a mistura indigesta, gosto amargo de fim de festa, cheiro ácido de azedo-fermento-vencido, bolor de pão putrefato, carniça-estômago-molhada, grito engolido, lágrima debulhada qual milho servido à galinhada.

“Doutor, qual é o meu problema? ”

Ele me olha de esgueiro, cara atravessada, fala mal conversada. Seco, lacônica resposta: “A senhora anda cozinhando na panela errada”.

Logo eu? Natureba zen, pró-reforma-agrária; proletária das palavras; constituinte da poesia; econômica, nunca esbanjei pontuações, travessões ; “diretas já” nas emoções; só transbordei sentimentos, apesar da escassez do alento. Meu erro talvez tenha sido crer no momento, no intento, no invento, na boa vontade, na humanidade.

Novo olhar de desprezo, sinto seu desdém aumentar: “Melhor seria parar de frasear, pois é tempo perdido. A senhora não sabe por onde andar, que pedras mover, a quem bajular. Desista: ou ainda vão lhe atropelar”.

Não acreditei e quase me amordaçaram. Quer saber? Continuo ao largo, sem nem olhar dentro da panela dos outros. Tampas e caçarolas, formas e frigideiras, colheres e escumadeiras, facas e garfos tortos. Nem ligo: gosto mesmo é de comer de mão.

Pego novamente um pedaço de pão, este assado em terrina de barro. A água agora é da fonte: limpa, cristalina, transparente e pura.

Transbordo letras e versos, controversos ideais solitários. Aplaudam-me ou joguem pedras ao me ver passar, sozinha, num barco sem remo. A bússola me guia pro norte. Tenho alvo, tenho sorte. Só não sei se vou chegar.

« Voltar