2ª quinzena de maio - Coluna 89
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PINCELADAS
Na tela branca o pincel desliza sem idéia, sem rumo, sem roteiro. Mas a vontade de brincar com as cores supera a imprecisão do traço. Sem traço... Nada traço... Nenhum traço... Nenhuma idéia pré-definida, pré-concebida, pré-natal: apenas a vontade e o encanto pelas cores. Um vermelho amor pela esquerda, um azul pacífico ao lado, um amarelo desesperado sai correndo na pincelada rápida - fugaz, porém, forte... Desesperadamente forte... Desesperadamente amarelo... Desesperadamente gritante... Desisto de apaziguar o espírito em tons esmaecidos, ante a agressividade desse amarelo saltitante. Mais vermelho... Vermelho ódio, que se transforma em roxo ao lado do azul pacífico: roxo-hematoma, roxo mágoa, roxo... A lágrima salgou a tela e borrou as cores todas... As tintas misturam-se e se afogam nesse mar morto... Esqueço tudo. Apago a janela e saio pra ver uma tourada... Não, não estou em Madrid. Também não pintei tela alguma, pois não sou pintora. Nem pretendo ser. Encontro-me apenas em terras de sonhos espantando mágoas e desenhando esperanças de novos tempos... Bons tempos de solidão acompanhada de mim mesma. É tão bom estar de volta: olhar no espelho e reencontrar meu velho rosto quase desconhecido, ter tempo de retocar a maquiagem, programar uma viagem, passar o dia de pijama arrastando o velho chinelo, mudar os móveis de lugar, sentar na sala enrolada na velha manta, demorar séculos num gostoso banho morno, ou simplesmente sair por aí, rever amigos, brindar a alegria de estar feliz e leve, alma solta, sem compromisso, pronta pra outro capítulo, que meu livro ainda não está no fim.
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