1ª quinzena de agosto - Coluna 94
(Próxima coluna: 18/8)
CIRCO DE PAPEL
Os trapezistas chegaram, bem quando os alpinistas se foram e o globo da morte faleceu. O picadeiro está fechado. Não tem sessão extra esta noite, por falta absoluta de público e de inspiração.
Você me diz que sua alma está morta, e fico imaginando você como um zumbi, preenchendo as lacunas dessa sala fantasmagórica, repleta de verdes luzes agora enegrecidas pela sua ausência.
O espelho não reflete nada além do que ele vê; nenhum reflexo a mais do que o espectro imagina ser: ele próprio.
Uma falta de orgulho, um mergulho, e eu engulo o falo maldito que me faz nada mais querer, além do gozo que mora nas lembranças ácidas, nas águas plácidas, nas gorduras flácidas de um batom envelhecido.
As mãos ásperas, os cremes que tudo facilitam, o botox, a meia lua se escondendo de vergonha, o tempo grita até quase me ensurdecer. O espelho... De quem é esse reflexo esmaecido, esse cabelo enegrecido, essa vontade de me comer?
A ponta do lápis era de carvão, mas mataram meu apontador – arma perigosa, ameaçando com a lâmina o papel em extinção –. A árvore era tão bonita... O que é melhor? O oxigênio ou o papel?
Não, eu não sou o espetáculo... Mas tenho que respirar...
Reciclo mais uma árvore e rabisco meu risco impregnando o papel de sentir e pensar.
Arquivo das colunas anteriores:
1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 30, 31, 32, 33, 34, 35, 36, 37, 38, 39, 40, 41, 42, 43, 44, 45, 46, 47, 48, 49, 50, 51, 52, 53, 54, 55, 56, 57, 58, 59, 60, 61, 62, 63, 64, 65, 66, 67, 68, 69, 70, 71, 72, 73, 74, 75, 76, 77, 78 , 79, 80, 81, 82, 83, 84, 85, 86, 87, 88, 89, 90, 91, 92