"DIVERSOS CAMINHOS EM BLOCOS", POR ZANOTO |
Jornalista famoso do Correio do Sul (Varginha/MG), desde
1950 mantém a coluna lítero-poética "Diversos Caminhos" naquele jornal.
Manteve coluna em Blocos Online de janeiro de 1998 a
dezembro de 1999, e agora retorna à Internet, novamente através
de nosso site.
C. Postal, 107 - 37002-970 Varginha/MG
Coluna de 15/12
(próxima: 15/01)
1. Cinco crianças estão ali fora, correndo atrás de "O cavalinho Azul", de Maria Clara Machado.
2. Enquanto decido o que mostrar nesste tópico dois, rabisco no rascunho o nome de Anthony Burgess. E faço como Droos, que pediu que os passarinhos o desculpassem: "cesculpem/ passarinhos/ não sei cantar"... De minha parte, nunca evito de dar uma olhada na passarinhada quando está se recolhendo. "Des rêves! toujours des rêves! et plus l' âme est ambitieuse e delicate, plus les rêves l' éloignent du possible" — disse Baudelaire.
3. Rodlofl Serkin me confessou: — bem sei que já não sou o mesmo. A pessoa me conta alguma coisa e eu não consigo guardar. Há nomes de livros e autores que desaparecem da lembrança e por mais esforço que faça, não consigo lembrá-lis. É assim a vida. Neste instante, lá fora, as cigarras estão cantando.
4. quando eu morrer
mesmo em tristeza
devastada
morrerei de alegria
de terem sido possíveis:
o amor a tristeza
e a aventura de ser carne
em meio a tantas pedras.
Iracema Macedo
- In "Sulfato Ferroso" nº 56 (RJ).
5. Debruçado à margem do rio de UP, Aricy Curvello "vai procurando e recolhendo seixos e diz: "olha este, que bonito", e os lança um após o outro na lagoa, para que cantem seus ruídos concêntricos e afundem na alegria de existir por si mesmos, sem a necessidade de justificações". (Roberto Goto - página 178), no texto "Nas Frestas do Labirinto de Uilco Pereira: No coração dos Boatos", de Alice Spindola.
6. "(...) não importa o sobejo da vida; nos pássaros, nas formigas / que trazem a custo/ um graveto perdido na infância", disse Iacyr Anderson Freitas. Vou tentar justificar o pranto solto nas primeiras horas da noite. A palavra é bonita e não é irreal. E quero, hoje, repetir Casimiro de Abreu: "O céu bordado de estrelas/ A terra de aromas cheia..."
7. "Eu preferiria que todas as vidas humanas se encerrassem ao som da música Because dos Beatles. Ainda fizemos muito pouco para codificar e mapear os discursos dos loucos. " - José Luiz Dutra de Toledo.
Plutarco nos conta a história de como uma epidemia de suicídio entre mulheres de Mileto foi súbita e completamente extinta por um decreto ordenando que todas as que se matassem fossem levadas nuas através do mercado, ou seja, do lugar mais populoso da cidade, até o local de seu sepultamento.
8. No poema
e nas nuvens
cada qual descobre
o que deseja ver.
— De Helena Kolody, falecida no início deste ano. Título do poema: Significado.
9. Muito bem dito, caro Mauro Sampaio: "Tudo se sobrepõe ao tempo/ E surge transparente na memória". No dia 12 de setembro de 1971, Maria Alice Barroso telegrafou a Clarice Lispector (RJ). elogiando a crônica "Amor", escrita por ela.
Um pouco além do Bretas, enxergo a silhueta de uma estrada, é exatamente a que leva à Rodovia Fernão Dias. E pego um poema de Maria de Lourdes Hortas (Recife) para encerrar este tópico: ESTRADA - Na estrada a sombra/ é a lembrança/ súbito pássaro/ me esvoaçando/ o coração.
10. Não mais bem-te-vis/ saudando as manhãs de abril/ — árvore abatida. Olga Amorim.
"(...) Quem mandou esta arma apontada ao peito/ sem força para apertar o play ou o gatilho?/ Quem falou que minha vida seria esta via/ interrompida de desejos impossíveis? (Ilma Fontes).
Enquanto isso, o porteiro do prédio mologa, sozinho, seus problemas.
11. Viagens no tempo da infância eram muito rápidas e não envolviam quase nada além da curta memória. Menino, não era possuidor de um passado e histórias suficientes para compor um novelo de lembranças. Em situações extremas, essas viagens acabavam acontecendo: após andar num daqueles carrosséis de um parque de diversões, saía com o estômago embrulhado. Ao deparar-se com um mundo que dava voltas e voltas, arrependia-se amargamente. Buscava então na memória, os momentos anteriores da subida ao carrossel como forma de driblar os estragos causados por aquela maluca aventura. José Ronaldo Viega Alves, poeta e escritor. Texto do livro "O Tempo e os seus labirintos".
12. Fim de tarde. Começo de noite. Lua branquinha. Leio um poema de Mario de Andrade. Um avião ronda a cidade. Passa do sul para o norte. Num banco de jardim um homem fuma um cachimbo. Enquanto isso, eu vou ficando entre papéis e escrevo.
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