SACIEDADE DOS POETAS VIVOS DIGITAL - VOL. 4
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PATRÍCIA EVANS - iniciou sua careira artística aos 13 anos de idade e apesar de sua formação ser basicamente musical, possui larga experiência como atriz. Trabalhou em mais de 39 montagens teatrais, 25 das quais como protagonista. Embora sua carreira tenha sido norteada pelo teatro, Patrícia trabalhou em televisão e emplacou sucessos nacionais com o grupo musical "Grafite". Também foi professora de Canto Popular, de Interpretação para Palco e Vídeo, ministrou diversas Oficinas e Cursos e é palestrante convidada de outros inúmeros cursos da área teatral, musical e literária. Além de sua carreira musico-teatral, como escritora é vencedora de concursos internacionais de poesia, tem seu nome incluído no projeto "Brasil 500 anos" de Leila Míccolis, que reúne 400 poetas mais representativos da língua portuguesa, convidada pela própria autora do projeto. Foi selecionada entre as dez poetas mais lidas de 2003, junto a Adélia Prado e Hilda Hilst e teve seu trabalho exaltado por poetas como Robert E. Sheridan, editor do "New York Times" por 32 anos. Atualmente dedica-se à publicação de seu primeiro livro.
Contatos: patevans@terra.com.br
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EU SEI QUE NÃO
(AO MEU INESQUECÍVEL PAI)
Eu sei que não,
mas tenho a nítida sensação,
que a qualquer torto momento
você vai abrir a porta
com o seu chaveiro barulhento
e que eu vou ouvir exposta
a dissonância de sons
os seus passos largos, pesados,
que não se arrastam mais cansados
pelo hall da minha sala,
que agora está calada,
muda em seus semitons.
Eu sei que não,
mas você vai largar a pasta,
amontoada de papéis em confusão,
por cima da madeira gasta
da mesa posta pra dois,
quando costumamos ser quatro,
mas outros dois vão estar no quarto
e não vão querer jantar,
vão beliscar do seu prato,
você vai se irritar, vai reclamar,
mas você não sabe brigar
e a discussão acaba com o providencial
aumento do volume da televisão,
que agora está farta de programas bobos,
porque nada tem graça,
porque a vida se arrasta
vazia em sua comoção.
Eu sei que não,
mas você vai falar do seu dia,
vai perguntar sobre o nosso
e eu vou estar apressada
saindo pra algum ensaio,
vou lhe gritar que não posso,
que amanhã eu lhe conto,
que amanhã eu não saio
e de manhã, fazendo o café forte, preto,
vamos conversar sobre o texto,
você vai me dar idéias,
que vou adorar colocar no contexto
da cena, que agora essa atriz
não se importa como faz,
porque não tem mais fantasia,
a cena não tem mais magia
e se multiplica sozinha
pelos palcos que não piso mais.
Vamos nos atropelar no banheiro,
pra ver quem toma banho primeiro
e você vai se dar por vencido,
porque é um pai orgulhoso da cria,
que cria confusão por qualquer coisa banal
e basta fazer cara de chôro,
pra ter o mais tolo pedido
atendido de prontidão.
Você vai pedir
e eu vou lhe calçar as meias
com você sentado à cama,
enquanto a nossa gata ressona
um leve final de sono.
Ainda vai brincar comigo
com seu jeito especial,
que faz qualquer dia da semana
ser como o dia de Natal,
com o seu molho de salada,
que agora ninguém mais prova,
que agora ninguém mais sabe;
dia vinte e cinco esconde a face,
meia noite Jesus não nasce
e o milagre não é igual.
Eu sei que não,
mas no dia dos namorados
você vai comprar duas rosas;
uma vai dar à mamãe
porque é um apaixonado
e outra como sempre é minha
e como sempre prova a prosa
de eu ser sua menina,
que não tem mais namorado,
que não tem mais alegria
e conta as horas do dia
pro dia já ter passado.
Eu sei que não,
mas vou lhe ver a qualquer instante,
quando pousar meus olhos
pelo nosso jardim,
que agora está hesitante,
que não sabe se brota,
ou se permanece nu,
porque lhe falta a sua mão confiante
podando seus galhos mortos,
como hoje está morta
a casa de Itaipuaçu.
E como eu,
nossa gata o espera
toda noite às oito horas,
sob o batente da porta,
sobre o tapete da entrada,
para lhe dar boas vindas
feliz com a sua chegada...
Mas nossas aspirações são findas,
que a chegada demora,
e a chegada não chega,
que não há mais futuro,
porque não há mais barulho
de chaves na maçaneta.
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