Jardim junto ao mar. O luto
gorjeia na incendiada
alfombra na sombra. Oferenda
a um morto sepulto ali;
veraz, sob um mar de rosas,
ressona
– mancha de tempo,
nome caído
– o morto
que os esplendores sufocam.
E seja este morto o sol
prisioneiro das raízes,
muro negro com seus chifres
por uma cruz traspassado.
Um touro vindo da festa,
erguido nos estilhaços
dessas coroas da morte
na tarde que mina o mar.
Um touro vindo do mar
que as setas do mar trouxera,
negro rei da primavera
que bufa mente rumina.
Abre os olhos
– murcharão.
Acende o riso
– vacila.
Bicho perdido na flora.
Roleta. Constelação.
Baralho. Pão. Borboleta.
Jogadores na folhagem.
O verde ensombrece a vista,
mostra as condecorações.
Marulha o jardim. Das ervas,
explode um pulmão azul.
Vem o pássaro emissário
que liga o mar ao jardim.
Que fia com o bico as letras,
as engrenagens de vidro,
a íris virente, a sombra
que o bicho largou na lama.
À noite o boi se levanta.
Nos chifres conduz as flores
para o mar.. Volta e se deita,
E fica escutando o mar.
Ou seja esse morto o moço
que, moço, sabe que o mar
aciona as flores de todos
os jartins particulares
–
as flores que dão no lar,
nas jarras, nas mãos fabris,
que vão da loja de flores
à janela do meu bem.
Que seja esse touro o moço
que move as pedras da dama
e preto e branco das horas.
Que vence mas que está morto.
Que, morto, a lua o espera
pousada na sua estante
(cheia de aves empalhadas)
e paciente. Preto. Branco.
O moço, morto, que ouve,
o mar, lilás, no jardim.
Que se perdeu das palavras
mas sabe uma flor na boca.
Velho jardim mortuário.
Orelhas do pó. Arame.
Papel de cor. Flora falsa.
Almoço de Satanás
(ao meio-dia, no sótão
um touro como essas flores.
Touro branco e a velha caixa-
-de-chapéus que é seu jardim.
Ah, os chapéus! onde estão?
que touro os comeu? e a moça?
que touro comeu a moça,
sobrinha da tia dela?)
O vento estremece as flores
no lábio do mês. Abril.
Qual será na grama a data
deste festim belo e triste?
Que morte as comemora?
Que deus se enterra esta tarde
em Ipanema? Que morto
vaza seu corpo no mar?
Mais alto ergue o mar os seus
ramos de pedra fugaz.
Como o canto que se perde
é a agitação colorida
das verduras, o sagrado
cruzar de espadas vermelhas
e negras. Rei de Paus. Valete.
A Dama sacode a fronte
coroada de açucenas,
seus lutuosos cabelos
sua túnica em quadrados
preto e branco. Amor e morte.
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