JOSÉ NÊUMANNE
Jornalista, editorialista do Jornal da Tarde, comentarista da Rádio Jovem Pan e do SBT, poeta e escritor com diversos livros publicados,
entre eles: Solos do silêncio – poesia reunida e O silêncio do delator (clique ao lado para ler a fortuna crítica).
Coluna de 03/03
Pranto, lorota e riso na República Severina
Os culpados pela vitória de Severino são o PT prepotente e o PSDB omisso
É possível ficar inconformado, indignado até, com o festival de tolices simplistas, grosseiras e oportunistas que assola a República severina, mas será cínico demais surpreender-se com ele. Os 300 deputados que elegeram o coleguinha de João Alfredo (PE) conhecem suas posições conservadoras e simplórias desde sempre. Assim como poucos dos 195 que votaram em seu adversário, Luiz Eduardo Greenhalgh (PT-SP), crêem na vida de santo em que a máquina marqueteira e a propaganda oficial governista tentaram transformar sua biografia bem pouco ortodoxa. O deputado Severino Cavalcanti (PP-PE) pode até ter sido o maior beneficiário do tsunami corporativista que afogou o candidato oficial na eleição para o terceiro cargo mais importante do País, mas culpa ele quase não tem nenhuma. Abriram-lhe a porta e ele, que não é bobo nem nada, penetrou. E, antes que nos deixemos engolfar nessa onda falsa, perigosa e injusta de preconceito, urge observar que os culpados têm nome, sobrenome, notório saber e afortunada carreira pública.
Os verdadeiros fundadores da República severina não militam no modesto PP malufista, de cujo limbo emergiu seu agora mais insigne representante, mas na legenda governista e naquele que se julga o principal partido de oposição.
O PT considera-se o "dono do choro dos outros", magnífica definição dada por uma de suas vítimas ao chefe de jagunços Joãozinho Bem-Bem, personagem do conto <CF331>A Hora e a Vez de Augusto Matraga</CF>, de João Guimarães Rosa. Desde que saiu da oposição inflexível para o poder (que o flexibilizou por demais), age como se fosse senhor das liberdades e proprietário das leis, decidindo quem deve viver e quem deve morrer politicamente. Reserva-se ainda a decisão final de mandar a alma do extinto para o paraíso dos justos, o inferno dos ímpios ou o purgatório dos aliados de ocasião. Nessa condição, ninguém de sua cúpula ligou a mínima para a ululante obviedade das fragilidades das pretensões presidenciais do advogado de presos políticos Luiz Eduardo Greenhalgh, cedendo a elas apenas para satisfazer caprichos mútuos – o dele e o deles –, em nome de antigos serviços prestados, como a desgastante exposição do esdrúxulo rótulo de "crime comum" que o causídico se empenhou, em nome dos companheiros, a pespegar no incômodo caso Celso Daniel.
Ninguém precisa doutorar-se em Psicologia para, em cinco minutos de prosa penosa com o candidato oficial à catástrofe na Câmara, constatar a incompatibilidade gritante de sua figura e de sua postura com qualquer disputa que exija simpatia, jogo de cintura e inteligência. Mas a prepotência do PT no <CF331>pudê</CF> – à qual convém acrescentar a certeza de que todo voto no Parlamento está à venda no balcão de chumbo do <CF331>Diário Oficial </CF>– levou os presidentes da República e do partido a arrastar a pesada mala sem alça até o destino fatal.
Justiça seja feita, não o fizeram sozinhos. A cúpula tucana acompanhou o cortejo sem ânimo algum, como de hábito, e até com algum muxoxo, que é a praxe, mas foi solidária. Aluísio Nunes Ferreira, o Golbery de Serra, declarou publicamente que o escolhido do Planalto era o melhor candidato. Na certa, o articulador do alcaide aceita o dogma de que, não tendo sido condenado no escândalo Lubeca, Greenhalgh paire sobre quaisquer suspeitas. Que tal ele encaminhar ao Vaticano pedido de canonização de Paulo Maluf ou Fernando Collor, que também estão aí, lépidos e soltos, argumentando que as denúncias de que são alvo não passam de invencionices de adversários inconformados com seu êxito? Tendo a polícia de seu correligionário Geraldo Alckmin endossado a teoria do "crime comum" no caso Celso Daniel, não é improvável também que o dr. Ferreira espose a idéia do "melhor candidato" dele sobre o caso. Certo é que o entusiasmo do PSDB pela candidatura oficial superou o do PT, de cuja bancada saiu um candidato avulso, Virgílio Guimarães (MG). Pois, além de apoiá-la antes do PT, ainda interveio em bancada alheia: Serra demitiu o secretário da Saúde, José Aristodemo Pinotti (PFL-SP), só para ele sufragar Greenhalgh. O amor é lindo!
Soterrado o "melhor candidato" de Aluísio Nunes Ferreira por 300 votos – por ironia histórica, o mesmo total de "picaretas" existente no Congresso em velha definição dos tempos de Lula oposicionista –, os cardeais tucanos tentaram vender o peixe da própria esperteza: teria seu alto clero fingido votar no candidato do Planalto para reafirmar seu apoio à teoria esdrúxula do direito de a maior bancada escolher o presidente da Casa, mas apoiado à sorrelfa, protegido pelo voto secreto, a "severinagem" final. Eis um caso típico de emenda que piora o soneto e remendo que expõe o rasgão: o PSDB, que tinha passado a idéia de omisso (para não dizer covarde), fez-se, à boca miúda, de velhaco, sem, contudo, assumir a velhacaria em público. Mas isso não se deve fazer nem na total "severinização" da vida pública nacional! Entre outros motivos, pelas conseqüências funestas que trará, como o mostra a disposição do PT de perturbar Alckmin na sucessão da Assembléia Legislativa paulista.
Fato é que o PT perdeu uma oportunidade preciosa de mostrar apreço pela opinião alheia, condição básica no exercício da democracia. E o PSDB jogou fora a chance de ocupar com um de seus quadros notáveis o terceiro posto mais importante no comando da República, nesta fase prévia da difícil luta contra a mui provável reeleição de Lula. O PT chutou o balde pensando que comanda o pranto alheio. E o PSDB se escondeu sob a mesa onde o inimigo se refestela, na esperança de ficar com os sobejos. Ambos riem amarelo, à custa da Nação, das lorotas da "severinice" reinante. Ah, não!