JOSÉ NÊUMANNE
Jornalista, editorialista do Jornal da Tarde, comentarista da Rádio Jovem Pan e do SBT, poeta e escritor com diversos livros publicados,
entre eles: Solos do silêncio – poesia reunida e O silêncio do delator (clique ao lado para ler a fortuna crítica).
Coluna de 07/04
O ânus do rato
Lula no espelho de Marta
A reeleição será decidida pelo eleitor, e não pelos chefões partidários
Não era preciso ser adivinho para saber de antemão que esta tida como segunda dita reforma do Ministério empreendida pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva tinha tudo para ser um parto da montanha: o Vesúvio parindo um ratinho. Embora a reação do chefe do governo não pudesse ser esperada, ela não produzirá muita mossa, até porque as mudanças previstas e não ocorridas não promoveriam mesmo choque algum de competência da gestão; dificilmente cumpriria o outro objetivo explícito, o da retomada do controle do Legislativo pelo Planalto; e não garantiria o antecipado triunfo reeleitoral do chefe do governo no primeiro turno da eleição de 2006.
As mudanças afinal feitas são menores ainda do que seria o camundongo inicialmente desenhado. A diferença entre os senadores peemedebistas e oriundos do Norte Amir Lando (RO) e Romero Jucá (RR) passa, como uma linha enfiada por um cego, pelo fundo de uma agulha. As credenciais deste para enfrentar um aumento do rombo de R$ 50 bilhões do INSS, entre outros desafios, são um segredo que seus patronos peemedebistas, Renan Calheiros (AL) e José Sarney (AP), não revelam nem sob tortura. E não há grande coisa a esperar de Paulo Bernardo (PT-PR) no Ministério do Planejamento. Mas também nada justifica a expectativa em torno das eventuais qualidades de curinga de Ciro Gomes em seu passado de governador do Ceará ou na improvisada passagem pelo Ministério da Fazenda do breve e confuso Itamar Franco.
Imaginar que o atendimento pelo presidente da voracidade pantagruélica dos chefões de partido que vendem a alma por um carguinho bastaria para o Congresso se tornar menos imprevisível do que está desde a vitória de Severino Cavalcanti equivale a contar com o toque de corneta da Cavalaria americana para pôr fim ao caos do pós-guerra no Iraque. Se o governo não conseguiu evitar a candidatura alternativa de Virgílio Guimarães (MG) contra seu favorito Luiz Eduardo Greenhalgh (SP), o que levou à derrocada na Câmara dos Deputados, como imaginar que contaria com o apoio de todos os votos do PMDB, que nunca votou unido – nem nos tempos do lendário Ulysses Guimarães –, por obra e graça de duas ou três pastinhas? Para assegurar os votos desses aliados Lula teria de destinar um ministério a cada deputado e senador do partido, pois todos eles votam, de fato, é de acordo com sua inconsciência, sem levar em conta diretriz de ninguém.
É por demais preocupante a "farra do boi" executada no Congresso nesta chamada "era severina", mas não é justo imaginar que ela se deva apenas ao "neosseverinismo" vigente. Que responsabilidade o presidente da Câmara tem pelos 43 mil novos empregos criados para aparelhar o Estado brasileiro com a mui ambiciosa militância petista? Por que lhe atribuir culpa pelos aumentos de gastos provocados pela generosidade com donas de casa, empregadas domésticas, delegados de polícia e gabinetes de nobres pares, entre outros, com o chapéu do distinto público, se o PT tem a maior bancada e o governo arrota superioridade com sua maioria parlamentar? Sem falar no fato de companheiros petistas serem autores dos relatórios estróinas ou presidirem as comissões que os aprovaram, de forma leviana.
É aí que entra em jogo a questão da reeleição de Lula. Ofuscado pelas facilidades com que se flexibilizam convicções dadas como inabaláveis de chefões políticos que, à distância, se assemelham a varões de Plutarco, a elite dirigente petista se esquece de duas coisas. A primeira é que quem vai reeleger ou derrotar o presidente nas urnas não serão esses chefões de máfias partidárias, mas, sim, o Zé-Ninguém, que tem encontrado cada vez mais motivos para desprezá-los. E a segunda, que erros que levam a derrotas podem repeti-las. Para bancar a "farra do boi", que seu governo promove e seu discurso tenta em vão negar, o presidente Lula vai ter de mandar uma conta cada vez maior ao contribuinte em forma de impostos. Este, gato escaldado, já sentiu a barra pesando e resolveu estrilar, como nunca havia feito antes, contra a tunga maldita da MP 232. O governo sabe que não pode recuar e certamente já prepara mais golpes pela frente, contando com a boa imagem que o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, tem conquistado, mercê dos excelentes resultados da economia.
É também a economia que sustenta outro fenômeno digno de nota: o altíssimo grau de prestígio popular do presidente, apesar da inoperância total do Ministério por ele comandado. A questão é saber se vai ser mantido esse atentado contra a lógica baseado apenas na retórica auto-oposicionista dele. Se Lula se olhar no espelho, talvez veja como pode estar ficando parecido com Marta Suplicy, surrada nas urnas em São Paulo, ainda que as pesquisas constatassem a aprovação de sua gestão pelo eleitorado. E isso porque ela se limitou a criar taxas para tentar cobrir a gastança, tentando saciar a gula infinita dos companheiros.
Diz o povo que, se conselho fosse bom, ninguém o dava, pois era vendido na farmácia. Mas aqui vai um. Em vez de governar para amigos do peito e chefões de bancadas, Lula deveria aproveitar a guinada que deu na tal reforma para tentar seduzir o eleitor, senhor, em última instância, do destino dele. Para tanto teria de fazer duas coisas: dar realmente um choque de eficiência na equipe, nomeando o melhor nome para cada pasta, e freqüentar mais o próprio gabinete, em vez de só discursar. Aí, ele calaria a oposição, mandando a foto autografada despachando com qualquer ministro em seu gabinete, pedida pelo líder tucano no Senado, Arthur Virgílio (AM). Assim, talvez convença o eleitor a mantê-lo na ponte de comando por mais quatro anos.