JOSÉ NÊUMANNE
Jornalista, editorialista do Jornal da Tarde, comentarista da Rádio Jovem Pan e do SBT, poeta e escritor com diversos livros publicados, entre eles: Solos do silêncio – poesia reunida  e O silêncio do delator  (clique ao lado para ler a fortuna crítica). novo

Coluna de 16/06

A imolação do bode Jefferson

E se a fogueira chamuscar quem se aproximou demais dele recentemente?
Está aberta a temporada de caça ao bode Jefferson. O líder do PP na Câmara dos Deputados, José Janene (PR), atribuiu as denúncias dele de pagamento de um tal “mensalão” pelo tesoureiro do PT à sua bancada e à do PL à condição de “maníaco-depressivo” e anunciou que o processará no Supremo Tribunal Federal. O presidente do PL, deputado Waldemar Costa Neto (SP), aproveitou o horário gratuito na televisão para pregar sua cassação em processo aberto por seu partido na Comissão de Ética da Casa. E, entre farpas contra o colega e desafeto no governo Antônio Palocci e lamúrias pela perda de influência perto do tímpano do presidente Lula, o chefe da Casa Civil, José Dirceu, em seu estilo caipira chique, jogou fora os panos quentes até então usados pelos companheiros, que tentavam dar alguma satisfação à opinião pública sem acirrar muito o ódio do cada vez mais incômodo (ex?) aliado.

Não se deve comparar a Câmara com um claustro de carmelitas descalças, mas, ainda assim, poucos são os colegas do presidente nacional do PTB que se devotaram como ele às práticas fisiológicas que conspurcam a política nacional. Desse ponto de vista, o conselheiro Acácio, então, diria que o governo, o PT e os ofendidos líderes das bancadas satélites destes prestarão inestimável serviço à cidadania extinguindo-lhe o mandato e ainda lhe retirando a elegibilidade, como foi feito há uma dúzia de anos com o ex-presidente Fernando Collor, cuja tropa de choque o réu comandara sem êxito no impeachment.

Será? A questão é, como naqueles raciocínios expostos pelo detetive Sherlock Holmes a seu amigo Watson, descobrir a quem interessa a imolação do bode incômodo. Cui prodest? – a quem serve? – , perguntariam os romanos de antanho. Um processo sumário e humilhante contra o denunciante do “mensalão” serviria como uma luva para jogar para baixo do tapete a sujeira da relação espúria entre Executivo e Legislativo no Brasil. O presidente do PL hoje ataca com fúria o ex-companheiro de jornada da mesma forma como pregara contra a política econômica do governo. Só ele sabe por que baba sangue na televisão. O líder do partido, de que é importante militante o ex-prefeito de São Paulo Paulo Maluf, idem.

E Lula? Não chega a ser propriamente um elogio à competência da Agência Brasileira de Informação (Abin) a constatação de que seu chefe supremo não ficou sabendo das trampolinagens do (ex?) aliado. E é difícil imaginar que, na condição de um dos próceres da aliança política que desalojou Collor, não tenha ele sabido do denodado esforço que este fizera para manter o carcará sanguinolento das Alagoas no posto máximo da República. Pode-se acreditar que tenha Lula imaginado que essa tarefa de inegáveis incorreção e risco políticos fora desempenhada por nobres bravura e civismo. Mas será um exagero de boa vontade beneficiar o chefe do governo com a dúvida quanto à sua crença nas convicções socialistas e no amor à causa proletária que fizeram do comandante Jefferson seu fiel soldado.

Muito pouco de novo ocorreu no quartel de Abrantes desde a República de Alagoas até a atual visita ao Paraíso pela classe operária (leia-se elite dirigente sindical) para justificar dois rompantes presidenciais. Um, divulgado pelo petebista e jamais desmentido oficialmente pelo ilustríssimo interlocutor, teria sido um cochicho lisonjeiro, no qual o responsável pela guarda do Tesouro Nacional assegurava que passaria um cheque em branco para aquele que atravessara o oceano sozinho. Pode ser que a imolação do bode derrame menos sangue que uma explicação circunstanciada de quando, onde e como se deu tal travessia. Mais constrangedor foi o recado que o ocupante do principal gabinete do Palácio do Planalto mandou para o inimigo público número um depois de a Veja ter denunciado a bandalheira nos Correios e antes de este ter dito à Folha com quantos mil reais por mês se põe a navegar a jangada da fidelidade partidária em bases governistas. “Parceria é parceria”, mandou Lula dizer a Jefferson por um portador de confiança, o líder do PT na Câmara, José Múcio (PE).

Talvez por saber que seu silêncio já nem vale ouro de tolo, o bode resolveu berrar e passou a alternar cançonetas napolitanas de sua paixão lírica com bombas de efeito moral, com mais potencial explosivo que as usadas em folguedos juninos, tentando evitar (ou adiar) a procissão dos que pretendem jogá-lo no fogo. Diz que não tem documentos, para alívio dos alvos de sua súbita fúria narrativa. Mas, para intranqüilidade destes, também não lhe resta alternativa.

Enquanto contam com os serviços do PP e do PL para imolar Jefferson, o governo e o PT tratam de queimar também as possibilidades de uma investigação minimamente isenta pela CPI dos Correios no Congresso, começando por reduzir a cinzas antigas práticas de convívio parlamentar. Esta tem tudo para ser a primeira CPI não a terminar, mas a começar com pizza.

Os petistas no poder só não notaram é que seu desprezo pelas práticas burguesas da compra de apoio parlamentar – que, na versão rósea do momentoso escândalo, os levou a radicalizar não na tentativa de extingui-las, mas em sua prática – os aproximou demais de velhos adversários antes por eles acusados de praticarem esse ofício sórdido. Talvez a imolação de Jefferson com a ajuda de Janene e Waldemar não evite que saiam PT e Lula chamuscados por causa dessa proximidade. Bastará constatar que o bode não é flor que se cheire para impedir que o fogo em que se pretende imolá-lo atinja seus (ex?) parceiros?

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