JOSÉ NÊUMANNE
Jornalista, editorialista do Jornal da Tarde, comentarista da Rádio Jovem Pan e do SBT, poeta e escritor com diversos livros publicados, entre eles: Solos do silêncio – poesia reunida e O silêncio do delator (clique ao lado para ler a fortuna crítica). novo: Aleilton Fonseca
Coluna de 23/06
Rolim: a gentileza a jato
Lá no sertão do Rio do Peixe, quando um guri era lépido e fagueiro ganhava um apelido jocoso de herói de faroeste: Kid Ligeirinho. Tinha algo que ver com a rapidez do garoto mau Billy no uso da pistola, é claro, mas, no fundo, lhe premiava a agilidade, a presteza e a rapidez de raciocínio. Nos aeroportos do Brasil, o equivalente daqueles meninos prestativos do sertão de antanho tinha deles o tamanho, pois, como denota o diminutivo do segundo termo da expressão, para ganhar a alcunha não era muito comum o aquinhoado ter garbo algum. Só que o comandante Rolim Amaro, protagonista deste texto, era pequeno, sim, mas nada raquítico. Mesmo forte, tinha velocidade de avião a jato na fala e esta se reproduzia na ação, dando a impressão ao observador de que ele estaria sempre no lugar desejado sem dificuldade de locomoção: de Ligeirinho ele não tinha nada, mas era o próprio e único Kid Velocidade.
A milhares de quilômetros do ermo sertanejo, o burgo marinho do Rio de Janeiro legou a condição de profeta da bem-querença generalizada dos transeuntes a um mendigo com cara de mago que circulava nos viadutos das proximidades dos armazéns do porto entre os carros e desenhava com uma letra especial versos e lemas contendo lições de otimismo e camaradagem. Era conhecido como o Profeta Gentileza. Considerando o fato de que o comandante Rolim Amaro escolheu o vermelho como cor de sua empresa, a TAM, para combinar com o tapete que ele mandava estender aos pés dos passageiros que optavam por voar em seus aviões e já que a alcunha de Profeta talvez não deva ser tirada do sem-teto cantado por Marisa Monte, o melhor jeito de revelar ao leitor que a o objetivo da velocidade dele era servir bem o freguês e assim torná-lo cativo, é chamá-lo de Kid Gentileza. Com a rapidez que o garoto Billy sacava a pistola, Rolim armava o sorriso, achava o assunto que agradasse ao interlocutor e logo partia para um conluio sedutor do qual era difícil escapar. Com a pontaria com que o bandido-mor do faroeste americano alvejava entre os olhos de suas vítimas, o comandante fazia amigos, tornava-os clientes e se incorporava à agenda de cada um.
A aviação - crê este leigo abestalhado vindo das brenhas - é um negócio que parte do improvável e até namora o ipossível: basta saber que seu princípio básico é fazer um bólido pesado, mais pesado que o ar, diz-se, pairar nos ares, como se fosse uma levíssima gaivota, para chegar a esse truísmo. Pois, pensando bem, meu querio amigo só podia mesmo, sendo uma pessoa de peso aparente e presença leve e usando a gentileza como guia na guerra impessoal do mundo das faturas e do risco permanente, era ser aviador. O cumprimento e o sorriso do dono daquela maciço pássaro metálico de rabo escarlate era um tranqüilizante quase tão eficaz quanto a voz analgésica das lindas aeromoças dos boleros de antigamente. Para o Kid Gentileza dos aeródromos voar não era um negócio, talvez nem um ofício, mas uma vocação.