JOSÉ NÊUMANNE
Jornalista, editorialista do Jornal da Tarde, comentarista da Rádio Jovem Pan e do SBT, poeta e escritor com diversos livros publicados, entre eles: Solos do silêncio – poesia reunida  e O silêncio do delator  (clique ao lado para ler a fortuna crítica). novo: Aleilton Fonseca

Coluna de 14/07

A “conexão Mococa”

Lula deveria ajudar os brasileiros que querem eximi-lo de responsabilidade

É notável o esforço de vários setores da sociedade civil brasileira tentando blindar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, evitando comprometê-lo por qualquer uma das “maracutaias” (gíria da predileção pessoal dele) de seus subordinados antes de confiança e da cúpula do PT. Trata-se de uma iniciativa louvável e bem-intencionada, não tanto por ser ele inocente in limine ou por ser nossa democracia frágil a ponto de não resistir a mais um impeachment ou renúncia. Mas principalmente porque sua substituição pelo vice José Alencar representaria um risco de abandono da segura condução da economia pelo ministro Antônio Palocci. Assim, a elite brasileira parece golpear pelo avesso a República petista, contrariando o que alardeiam José Dirceu e seus asseclas. Louvável, mas frágil. Pois, diante de tantas evidências de falcatruas a seu redor, ignorá-las pode dar ao presidente a condição de “quadro de Cristo em prostíbulo”, metáfora do político e romancista paraibano José Américo de Almeida para definir gestores públicos que ignoram o mal feito por auxiliares em seu nome.

A esta altura, contudo, com a divulgação do milagre da transformação de um filho subempregado em sócio descapitalizado de uma grande empresa de telefonia num negócio rentável e com o crescimento em dois anos e meio de três vezes do faturamento da empresa da qual saíra o prestigiado secretário Luiz Gushiken, talvez o êxito desse golpe pelo avesso da blindagem venha a depender de um empurrãozinho de Sua Excelência.

Tendo ele próprio passado agora a depender do benefício da dúvida e da presunção de cega e surda ingenuidade, Lula precisa dar à Nação sinais inequívocos de que se arrependeu de não ter dado ouvidos a um companheiro probo (e, como Dirceu, valorizado pela participação na luta armada contra a ditadura) como Paulo de Tarso Venceslau, que levara a conhecimento dele evidências de irregularidades semelhantes praticadas para idênticos fins por seu compadre Roberto Teixeira em prefeituras sob controle petista. Eram gestões como a do fiel amigo Jacó Bittar, réu em oito processos, alvo preferencial do sucessor, Toninho do PT, assassinado quando o investigava, e pai de dois sócios de seu primogênito, Fábio Luís, num negócio que só rivaliza em crescimento com os dos sucessores do secretário de Comunicação e da rede de agências de publicidade de Marcos Valério de Souza.

Esse mea-culpa necessário deveria começar pela demissão do ex-prefeito de Campinas da sinecura em que se refestela e pela permissão para que Gushiken prove sua inocência passando uma temporada sem determinar que agências de publicidade abocanharão as milionárias contas do governo. Assim, a sociedade civil poderia até ter uma benéfica crise de amnésia em relação às pretensões que esse comissário com pose de filósofo zen já tivera ao controle de noticiário e opinião dos meios de comunicação por meio do Conselho Federal de Jornalismo (CFJ) e à sua capacidade de indicar técnicos de notório saber para dirigir fundos de pensão de estatais. Tais técnicos têm demonstrado peculiar zelo pela poupança dos aposentados em fundos como o Real Grandeza, de Furnas, que a depositou em instituições da inequívoca reputação dos bancos Santos, BMG e Rural. Se não tomar atitudes assim, talvez a blindagem se torne inviável.

Menos vulnerável ficaria o presidente se ouvisse os apelos de um aliado sabidamente honesto, o senador Pedro Simon (PMDB-RS), e nomeasse um Ministério acima dos partidos e composto por brasileiros reconhecidamente probos e competentes. Está certo que a experiência do “Ministério ético” de seu antecessor e adversário Collor não foi, de fato, um êxito e talvez não seja tão fácil achar quem aceite seu convite, mas desistir, no caso específico, pode significar perder uma excelente oportunidade de auto-ajuda.

Aí, Sua Excelência passaria a depender de um milagre que tornasse verossímil o enredo insinuado pela ex-líder do PT no Senado Ideli Salvatti (SC). Ao interrogar a ex-secretária de Marcos Valério Fernanda Karina Somaggio, ela deixou no ar a hipótese de que tudo pode resultar de uma armação da qual a depoente, que já teve 33 denúncias comprovadas, seria uma das artífices e cujo epicentro se situaria na cidade interiorana de Mococa, de cuja Câmara faz parte o vereador Bruno Somaggio, do PTB. Comprovada a “conexão Mococa”, Dirceu voltaria com pompa à Casa Civil e Genoino, à presidência do PT; Delúbio iria para o lugar de Palocci e talvez alguém se aventurasse a apresentar a candidatura de Silvinho Pereira a uma canonização em vida, antes mesmo da de João Paulo II. Aí se restauraria a verdade do dito popular segundo o qual “só não se explica batom na cueca”, em descrédito desde que o assessor do irmão de Genoino substituiu o adereço feminino por mil notas verdes de US$ 100. Além disso, a célebre ameaça de José Américo – “eu sei onde está o dinheiro” – seria esquecida de vez e o PT poderia retomar projetos adiados por culpa da ação solerte da elite golpista, tais como o CFJ, a Ancinav, o aparelhamento do Estado e a perenização no poder.

Caso, contudo, não se confirme a hipótese de Roberto Jef-ferson, Marcos Valério, Maurício Marinho e José Adalberto Vieira da Silva conspirarem contra a República petista a soldo do “suspeitíssimo” Bruno Somaggio e do solerte PTB de Mococa, resta a hipótese de a senadora se tornar um orgulho nacional ao superar o Código Da Vinci, de Dan Brown, e a obra completa de Paulo Coelho nas listas dos livros de ficção mais vendidos em Europa, França e Bahia... Mas, e o Brasil como é que fica, hein?

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