JOSÉ NÊUMANNE
Jornalista, editorialista do Jornal da Tarde, comentarista da Rádio Jovem Pan e do SBT, poeta e escritor com diversos livros publicados, entre eles: Solos do silêncio – poesia reunida  e O silêncio do delator, que acaba de obter o Prêmio "Senador José Ermírio de Moraes", da ABL (clique no título da obra para ler a fortuna crítica).

Coluna de 04/08

“Abafa”, não, por favor!

Mais imoral que o “mensalão”, só o acordo eventual que anistiasse sem investigação
seus inúmeros beneficiários

A frustrada tentativa de blindar o presidente nacional do PSDB, senador Eduardo Azeredo (MG), partia de pressuposto imoral e equivocado semelhante às tentativas com que o PT tentou limpar a barra sujíssima de seus dirigentes José Genoino, Delúbio Soares, Marcelo Sereno e Silvinho Pereira. Ainda bem que Sua Excelência resolveu dar as explicações necessárias à CPI da bandalheira nos Correios, comparecendo espontaneamente à sessão de hoje. Ao contrário de seus adversários que ainda não pediram desculpas à Nação por seu grotesco papelão que gerou crise política de proporções impressionantes, mesmo quando comparada com o “mar de lama” que levou Getúlio ao suicídio e o Collorgate.

Comemore-se ainda o fato de o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso haver mudado de idéia deixando assim de insultar a memória dos mestres que o transformaram num sociólogo de reputação internacional, como o vinha fazendo ao classificar a descoberta do uso da lavanderia de Marcos Valério Fernandes de Souza pelo ex-governador tucano de Minas, de “histórica”, no sentido de prescrita. As irregularidades eventuais do correligionário dele não podem ser varridas para baixo do tapete apenas porque ocorreram antes de o publicitário prestar serviços sujos ao governo petista.

Igualmente alienada fora a desculpa amarela do prefeito de São Paulo, José Serra, ao tentar anistiar, in limine, seu sucessor na presidência do partido, por causa de sua notória fama de honradez. Até prova em contrário, qualquer cidadão é honesto. Ocorre, contudo, que a denúncia segundo a qual Azeredo se teria valido dos préstimos do “carequinha”, cuja figura foi trazida a lume pelo presidente nacional afastado do PTB, deputado Roberto Jefferson, para financiar uma campanha eleitoral, não pode ser simplesmente arquivada por causa de seus bons antecedentes. Não vale no caso o precedente da Lei Fleury, que liberou todo cidadão brasileiro para cometer o primeiro crime. Esta é a consagração da impunidade, que não ganha a condição de sagrada só por ter sido enunciada por um prócer da oposição.

Era de esperar que o PT estivesse esperando para pegar figurões do PSDB — e alcançou Azeredo — e do PFL — e atingiu Roberto Brant — para, afinal, fazer a única proposta que pode ser mais indecente que o mensalão: a “operação pizza”, denunciada em manchete pelo Correio Braziliense de sexta-feira passada e prenunciada pelo olfato de nossa colega Dora Kramer, que antes disso já sentira cheiro de orégano no ar. O que não dava para esperar é que, demonstrando mais oportunismo que civismo, a oposição se sentisse tentada a imitar o PT e os partidos da base aliada do governo refugiando-se no tal do pacto do “abafa”.

Repugna uma “governabilidade” que só funcione à base de mesadas em que a fidelidade do apoio parlamentar é comprada com dinheiro do próprio Estado. Da mesma forma, é inaceitável que as campanhas eleitorais sejam financiadas com “sobras” retiradas dos cofres da viúva e transferidas para malas e cuecas de intermediários de um jogo mafioso em que não se “lava”, mas se emporcalha o dinheiro ganho honestamente pelo trabalhador, escorchado em impostos pelo Estado e tungado por agentes públicos eleitos pela cidadania para tomar conta da chave do cofre. No entanto, mais indecente ainda é, em nome do que for — a manutenção da estabilidade econômica, a higidez (?) das instituições ou a biografia de um político tido como probo — estender um enorme tapete sobre a porcaria produzida, dando uma banana descarada e imoral para a massa excluída das vizinhanças da roleta em que suas economias se transformam na fortuna de alguns delinqüentes políticos ou empresariais.

Mais grave ainda é o ministro da Justiça, Márcio Thomas Bastos, ter sido flagrado negociando essa injustíssima desfaçatez à mesa com o presidente da Câmara, Severino Cavalcanti (PP-PE). Arre!

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