JOSÉ NÊUMANNE
Jornalista, editorialista do Jornal da Tarde, comentarista da Rádio Jovem Pan e do SBT, poeta e escritor com diversos livros publicados, entre eles: Solos do silêncio – poesia reunida  e O silêncio do delator, que acaba de obter o Prêmio "Senador José Ermírio de Moraes", da ABL (clique no título da obra para ler a fortuna crítica).

Coluna de 18/08

O monopólio da besteira

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva é doido por uma gafe. Ela pode ser histórica, como aquela viagem inexistente que ele registrou do corso Napoleão Bonaparte à China, ou geográfica, como o desconhecimento de 3 mil quilômetros de fronteiras que o levou a incluir a Bolívia no rol dos países sulamericanos com os quais o Brasil não faz fronteira, ao lado do Chile e do Equador. Povos inteiros, tidos como amigos, já foram vítimas de seus repentes. Ele considerou natural os argentinos terem inveja do tamanho e da força do Brasil e convidou os angolanos a comemorarem uma vitória brasileira na OMC contra alguns países, entre os quais Angola. Para quem pensar que é muito, saiba que um continente inteiro já foi vítima de uma derrapagem de nosso chefe de governo. Inesquecível, aquela sua visita à Namíbia, na qual, espantado com a limpeza das ruas da capital (branca) Windhoek, Sua Excelência sapecou: “Esta nem parece a capital de um país africano!” Imagine só se ele não tivesse o continente negro como alvo prioritário de seu afeto pessoal e da diplomacia do país que governa. Além de modelo: não disse ao presidente da Costa Rica que foi ao Gabão “aprender como um presidente consegue ficar 37 anos no poder e ainda se candidatar à reeleição”? Apois.

Justiça seja feita, os companheiros que Lula escolheu para acompanhá-lo nesta aventura que tem sido tornar governável o Brasil ingovernável não o deixam sozinho neste particular. O ex-dirigente sindical bancário Ricardo Berzoini convocou os idosos do Brasil a se perfilarem ao longo de várias madrugadas para provarem que existiam, inaugurando o método nazi-fascista de recadastrar os beneficiários da Previdência e, com isso, acabar com a fraude que assola as finanças públicas nacionais. E o médico pernambucano Humberto Costa não estranhou nem lamentou o aumento dos óbitos dos velhinhos nas UTIs dos hospitais de Fortaleza, porque esta, segundo ele, é uma fatalidade da velhice. Como são, a seu ver, fatalidades estatísticas as criancinhas índias morrerem como insetos por falta de assistência social nas reservas indígenas do Mato Grosso e do Mato Grosso do Sul. Petistas, em suma, são solidários com o chefe, aquele que lhes garante as boas boquinhas no serviço público, no exercício da patacoada.

Até aí, tudo bem! O problema é que, depois de haver, durante muito tempo, exercido o monopólio do rigor ético no antigo país dos tupinambás, que aliás Lula prometeu devolver-lhes, o PT tenha resolvido exigir carteira de militante do partido para qualquer cidadão brasileiro que se disponha a cometer um destempero verbal ou uma batatada informal. Em nome das vítimas da guerra fria, ninguém mais poderia ser chamado de “comunista”. E o verbo “judiar” seria banido do Vocabulário Ortográfico da Academia Brasileira de Letras por causa de sua similitude etimológica com “judeu”. Chico Buarque teria de reescrever uma redondilha que bordou para a melodia de Francis Hime (“a coisa aqui está preta”). E, como lembrou o escritor Carlos Heitor Cony, o ex-governador da Guanabara Negrão de Lima teria de se chamar, segundo as regras da cartilha do bom-tom, que o secretário Nacional dos Direitos Humanos, Nilmário Miranda (PT-MG), mandou fazer de “Afrodescedentão de Lima”. Já imaginaram?

Soldado fardado (com o fardão da Academia) da liberdade do povo de inventar a própria língua pela qual se comunica, o romancista baiano João Ubaldo Ribeiro, viu na iniciativa uma polícia da linguagem e alertou para uma intervenção totalitária em nossos usos e costumes. O autor do manual Politicamente correto , professor Antônio Carlos Queiroz, negou-lhe direito à crítica, porque se diz conservador, por chamar os ministros de asnos e por ser contra a demarcação indiscriminada das terras indígenas. Então, tá: fica combinado, assim, que o monopólio da besteira é do PT. E estamos conversados.

 

 

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