JOSÉ NÊUMANNE
Jornalista, editorialista do Jornal da Tarde, comentarista da Rádio Jovem Pan e do SBT, poeta e escritor com diversos livros publicados, entre eles: Solos do silêncio – poesia reunida  e O silêncio do delator, que acaba de obter o Prêmio "Senador José Ermírio de Moraes", da ABL (clique no título da obra para ler a fortuna crítica).
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Coluna de 25 /08

                                                                              Os abandonados
                                                                           contra os desavisados

Quantos brasileiros serão mesmo capazes de dar aulas de ética a Lula?

“É o fim alguém dar crédito a esse cara”, teria dito o presidente Luiz Inácio Lula da Silva <CF577>– </CF>referindo-se a Rogério Buratti, o ex-assessor do ministro da Fazenda, Antônio Palocci, que delatou seu ex-chefe em troca de redução da pena – a interlocutores não identificados em reportagem publicada neste jornal, domingo. Renhida é a peleja entre a vontade (ninguém, nem este articulista, quer que Palocci seja atingido) e a lógica (a denúncia de pagamento de propinas mensais de R$ 50 mil a uma prefeitura petista por empreiteiros de lixo é coerente com o que se desconfia que possa ter ocorrido em Santo André e em outros redutos da “companheirada”). Mas convém lembrar que Buratti era um quadro do PT, convocado por sua direção nacional para cuidar da campanha de um companheiro ilustre a uma prefeitura importante, e não um tucano infiltrado ou um agente da direita golpista. Assim como nem as serpentinas do chope da Pingüim desconheciam a reputação duvidosa do deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ) quando Sua Excelência se dispôs a lhe entregar um cheque em branco.

É certo que Buratti disse que só delatou por se sentir abandonado por antigos companheiros na solidão de uma cela, assim como o presidente nacional afastado do PTB também contou tudo o que tem contado após perceber que o séquito que o acompanharia ao cadafalso não seria caudaloso. Agora até Jeany Mary Corner, a cafetina cearense com nome de dançarina de cancã em Nova Orleães, se diz “abandonada” e isso deve estar tirando o sono de muita gente boa que andou partilhando o tálamo com profissionais por ela agenciadas. Na entrevista coletiva de domingo, destoando do chefe Lula e do antigo desafeto no alto comissariado petista José Dirceu, o ministro da Fazenda não bancou o desavisado. Só que, talvez sem querer, deixou escapar uma informação valiosa, ao relatar que o presidente não lhe cobrou explicações muito detalhadas para reafirmar a confiança nele. Eis um traço do temperamento do chefe do governo: ele não gosta de ler nem que os subordinados leiam e detesta ouvir más notícias e justificativas enfadonhas. Talvez por isso seja o capitão do time dos desavisados, o mais ilustre entre todos estes.

Talvez também por isso tenha uma tendência a confiar sempre mais nos amigos que em conhecidos que lhe tragam informações desabonadoras contra eles, o que o tem levado a empurrar lixo moral para baixo do tapete, como foi acusado pelo promotor Hélio Bicudo. Herói da luta contra o esquadrão da morte - escola onde o diretor do Dops paulista na ditadura, Sérgio Paranhos Fleury, treinou para executar guerrilheiros de esquerda -, ele é fundador do PT, como Lula. E, encarregado de presidir a comissão interna para investigar denúncia contra o advogado Roberto Teixeira, compadre do então presidente nacional do PT, viu-o rasgar seu relatório confirmando a denúncia e mandar expulsar o denunciante, Paulo de Tarso Venceslau. Mas o dr. Bicudo esperou sete anos, quatro dos quais como vice-prefeito de Marta Suplicy, para contar esta obviedade.

Justiça lhes seja feita, a ele e a Lula: os dois não são os únicos desavisados do Brasil. O ex-guerrilheiro César Benjamin lembrou na semana passada, nas páginas deste jornal, que o mesmo Lula escalou Delúbio Soares para apanhar dinheiro no Fundo do Amparo ao Trabalhador (FAT) para financiar a tomada de poder no partido pela tendência Articulação, que se transformaria em Campo Majoritário. À época, isso passou despercebido e o método, definido por Jefferson com a constatação de que “é mais fácil comprar que convencer”, teria sido depois adotado nas prefeituras conquistadas pelo PT do Oiapoque ao Chuí, a confiar nas convincentes denúncias de Paulo de Tarso Venceslau e de Rogério Buratti. Mas Hélio Bicudo e milhões de outros calaram, então.

Incluindo muitos de nós. Quem não sorriu, até de forma cúmplice, ao saber que o burocrata Lula conquistou sua “galega” dando um jeitinho num processo de pedido de pensão da viúva? Quem denunciou a milionária reforma dos encanamentos do Palácio do Alvorada para garantir água quente no banho presidencial, presenteada por empreiteiros que mantêm contratos com o Estado? Que parlamentar da oposição tentou impedir a intromissão da estrela vermelha do PT em jardins tombados de palácios, patrocinada pela primeira-dama? Teria, porventura, a popularidade do presidente caído nas pesquisas de opinião pública após ter a Nação tomado conhecimento de que a única realização digna de registro da primeira metade de sua gestão foi a compra de um jato para o chefe do governo passear por capitais africanas tão limpas que nem parecem cidades africanas? Qual senador foi ao Supremo Tribunal Federal contra a decisão de manter secretas as contas dos cartões de crédito da Presidência da República, entre eles o usado pela assessora de confiança de dona Marisa para sacar quase meio milhão de reais em oito meses, a pretexto de não comprometer a segurança nacional? Aliás, o líder do governo no Senado, Aloizio Mercadante (PT-SP), que defendeu com denodo este pretexto, também é mais um insigne dirigente desavisado do PT: afinal, nunca se interessou por saber quais teriam sido as fontes de financiamento da avalanche publicitária empregada na campanha malograda pela reeleição de Marta, apesar de haver participado dela ativamente.

Pensando bem, talvez não sejam mesmo tantos os brasileiros capazes de dar lições de ética a Lula. À exceção, é claro, do irmão de Celso Daniel, da viúva de Toninho do PT e de César Benjamin e Paulo de Tarso Venceslau, ex-companheiros de armas de José Dirceu e Dilma Rousseff.

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