JOSÉ NÊUMANNE
Jornalista, editorialista do Jornal da Tarde, comentarista da Rádio Jovem Pan e do SBT, poeta e escritor com diversos livros publicados, entre eles: Solos do silêncio – poesia reunida e O silêncio do delator, que acaba de obter o Prêmio "Senador José Ermírio de Moraes", da ABL (clique no título da obra para ler a fortuna crítica).
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Coluna de 13/10
Questões sobre a crise política em entrevista para o Jornal da Unicamp
Respostas de José Nêumanne Pinto a perguntas de Eustáquio Gomes:
1 – Há menos de um mês, um extenso grupo de intelectuais assinou um manifesto pedindo rigor nas apurações. No entanto, logo a seguir as CPI's que investigam esses episódios entraram numa fase de acomodação e, em pelo menos um caso, até de paralisia. Como o sr. (ou a sra.) está percebendo o momento atual da crise política?
Nêumanne – Percebo que agora está havendo uma espécie de refluxo. Houve a onda de denúncias, muitas foram comprovadas, caíram várias pessoas, inclusive políticos de muito poder, casos do chefe da Casa Civil e do terceiro nome na sucessão presidencial, o presidente da Câmara dos Deputados. Mas, ainda assim, as pessoas se comportam como se esperassem novos escândalos, sempre maiores e piores, para se convencerem de que a crise é grave. Essa expectativa, somada à vitória governista na sucessão da presidência da Câmara, é que motivaram o presidente Lula a fazer aquele discurso absurdo na Fiesp contra o “denuncismo”, exigindo desculpas dos denunciantes aos inocentes. Waldomiro Diniz continua solto e o presidente age como se não tivesse nada com a hora do Brasil. Não é mesmo de amargar?
2 – Como é natural, o governo tem pressa de acabar com a crise, enquanto à oposição interessa prolongá-la até os limites do processo eleitoral. Quais deverão ser os próximos lances dessa queda de braço?
N – O velho Lênin dizia que a gente sabe como começa uma revolução, mas nunca sabe como ela termina. O mesmo vale para uma crise dessas dimensões. Não dá para prever nada. Tendo a concordar com o deputado ACM Neto, que, segundo escreveu Diogo Mainardi na Veja, disse que a oposição perdeu a chance de desalojar Lula do poder ao não entrar com o impeachment no dia do depoimento do Duda Mendonça. A aposta pela oposição no desgaste do presidente é sua melhor “blindagem”. Mas acho que Lula chegará forte à reeleição, embora não esteja mais praticamente reeleito, como estava, antes das denúncias de Jefferson.
3 – Até aqui, só o denunciante foi cassado. As CPI's tendem a fracassar?
N – É uma injustiça jogar toda a culpa pela “pizza da impunidade” nas CPIs. A CPI dos Correios prestou um grande serviço à cidadania ao encaminhar os 18, que viraram 16, e depois 13, deputados “cassáveis” à Mesa da Câmara. A dos Bingos também, ao exibir o nível da escumalha que freqüenta o poder na acareação da GTech com Waldomiro Diniz e Rogério Buratti. Os donos da pizzaria estão no Planalto e na direção do PT. E os “pizzaiolos” são os presidentes do Senado, Renan Calheiros, e da Câmara, Aldo Rebelo. As CPIs têm feito o que podem, mas não podem muito contra a desqualificação organizada empreendida pela maioria governista no Congresso.
4 – Vê-se que a crise é permeada por uma batalha secundária, de caráter semântico. Até há pouco era impossível ao governo negar a gravidade das denúncias, diante da força da linguagem empregada pela oposição. Agora, entretanto, o discurso presidencial já se permite enfatizar a palavra “denuncismo”, caracterizar a crise como “barulho” e até pedir “reparação” ou “retratação” das denúncias feitas.
N – Ao vencer a eleição para a presidência da Câmara e sentir aquilo que chamei de “refluxo” no início, o governo passou a “cartar marra”, como se diz na gíria. Pode ser um erro muito grande. Talvez semelhante ao da oposição, que está achando que pode eleger um poste contra Lula apenas por causa das denúncias de Jéferson e termina por se queimar nessa fogueira de vaidades, na qual qualquer um acha que pode ser o tal do poste. É melhor esperar para ver. Numa situação como essa, não se pode descartar o triunfo eventual de um aventureiro tipo Collor. Garotinho está por aí rondando, como um espectro, a eleição e representa um perigo danado. Quem vai garantir que ele seja uma carta fora do baralho?
5 – Não há o risco de a sociedade enfadar-se com a crise, as denúncias caírem no vazio e os crimes presumíveis passarem por normais dentro da dinâmica política?
N – Não é propriamente um risco. Esta é a história recorrente do Brasil. Um dia destes, meu amigo Roberto DaMatta, antropólogo maior, escreveu um artigo nos jornais exatamente sobre nossa mania de purgar, purgar, purgar e nunca punir. É por aí. Faz parte de nossas mais “caras” tradições republicanas, destas que o PT adora reproduzir. Radicalizando.
6 – Tal como estão colocadas, as denúncias tipificam um crime financeiro-eleitoral que inclusive teria influído nos resultados da última eleição, tornando-a portanto ilegítima. Contudo, essa tese contra o governo não parece prosperar. Tal como existe o argumento da “conspiração da direita”, não haveria também a hipótese de as forças econômicas – e por extensão as forças políticas – estarem interessadas numa “conspiração pela blindagem”, desde que o governo chegue exaurido à próxima eleição?
N – A “blindagem” é uma realidade e já ultrapassou o estágio de conspiração há muito tempo. A plutocracia, que você descreve claramente na pergunta, faz parte dela, mas é apenas um elemento a mais num conjunto de freios ao prometido e desejado processo de apuração e investigação “até o fim”, “duela a quien duela”, “cortando na própria carne”, etc. De certo modo, até a oposição participa da tal da “blindagem”, um pouco por cegueira, um pouco por safadeza. Da cegueira já falamos acima. Os oposicionistas, tucanos principalmente, acreditam que se beneficiarão na eleição de um presidente debilitado pelas denúncias disputando a volta ao cargo. A safadeza está no noticiário cotidiano. O PSDB ainda não percebeu que não pode cobrar de Lula o comportamento que o próprio partido não consegue ter com Eduardo Azeredo, seu presidente nacional. O alto tucanato não entendeu a vantagem que levaria na troca: o presidente da República pelo presidente nacional de um partido meia-boca. E aí “blindam” o presidente, vendendo essa idéia idiota de que ele não sabia de nada. Na verdade, na “República da Conceição” ninguém sabe, ninguém viu mesmo. Não apenas Lula e Eduardo Azeredo, mas todos nós. Depois dos casos Celso Daniel e Toninho do PT, das denúncias de César Benjamin, Paulo de Tarso Venceslau e Fernando Gabeira, nem o cego Jatobá tem o direito de se surpreender com as maracutaias do PT. Aliás, não sejamos injustos: na vida real e na novela, o único brasileiro que enxerga as coisas é aquele cego. O resto tem dois olhos, mas não consegue enxergar nada. Os denunciantes da malandragem petista generalizada e cínica são todos esquerdistas históricos e ficam falando de golpismo de direita. E o ministro da Justiça prega que “caixa dois” é “coisa de bandido” e esquece que os “recursos não contabilizados” são o pretexto usado pelos petistas de seu governo para minimizarem a própria culpa, desde que foram acusados por Jefferson de comprar apoio no Congresso com o tal do “mensalão”, cujas evidências são mais notórias que o Pão de Açúcar e o Cristo Redentor.
7 – Qual seria o impacto (emocional e cívico) na sociedade brasileira de uma possível “pizza”? Acredita que ela possa vir a acontecer?
N – Quando li o discurso de Lula na Fiesp exigindo desculpas para os inocentes, um enorme desânimo me invadiu. Deu-me vontade de largar tudo e ir criar bode no sertão. Depois, me animei mais quando vi que a Corregedoria da Câmara, pressionada pela sociedade, não serviu a pizza, mas encaminhou ao Conselho de Ética os processos contra os deputados citados pelo excelente (e direito) relator da CPI dos Correios, deputado Osmar Serraglio (PMDB-PR). Assim, entre um beijo na bochecha e um chute no traseiro, aos trancos e barrancos, vamos seguindo. Acho que há uma enorme possibilidade de vir alguma pizza de impunidade aí. Mas espero que ela não seja total. Que pelo menos o comissário José Dirceu, com aquele sotaque de caipira cínico, não seja poupado. Nem esse tal de Luizinho, que não é professor primário, mas professor e primário. Não sei se a pressão da opinião pública evitará que a pizza seja servida. Mas tenho certeza de que só essa pressão poderá evitar a impunidade ampla, geral e irrestrita.