CM - O Futuro de uma ilusão
Marta Rolim

                            Capítulo Dois

Século XXI

Ano 2060-2100

As experiências começaram com indivíduos que sofriam de esquizofrenia. Numa tentativa de interromper o progresso da doença, alguns jovens receberam implantes de chips no cérebro. Inicialmente os resultados foram tímidos, mas pouco a pouco as descobertas foram assomando. Na década de setenta já era anunciada, com grandiosa divulgação, a cura da esquizofrenia. Assim que os primeiros sintomas da doença manifestavam-se, o jovem era submetido a um procedimento cirúrgico que acoplava à área cerebral uma UEC - Unidade Eletrônica Cerebral. Observava-se que o jovem, após ser operado, voltava a nutrir interesse pela vida e recuperava o pensamento lúcido. A genética colaborava ativamente em tal processo, compondo um campo científico novo que denominou-se de medicina genetrônica. Assim, aliaram o conhecimento profundo do funcionamento celular e de seu intrincado código genético com as possibilidades de intervenção da eletrônica. Geralmente, as UEC implantadas estimulavam as delicadas funções que o cérebro já não cumpria e provocavam incremento nas conexões entre os neurônios (desenvolvimento de novas sinápses), além de produzir, em alguns casos, a multiplicação inédita dos neurônios por um processo de divisão celular a laser (ínfimos raios laser dividiam os núcleos de milhares de neurônios marcados quimicamente, de modo que eles se multiplicavam em poucos meses).

Como no caso dos OE - Órgãos Eletrônicos - as Unidades Eletrônicas Cerebrais serviram, primeiramente, aos interesses de pessoas com alguma necessidade especial, que sofriam de alguma patologia, mas não tardou para que os implantes cerebrais se popularizassem e começassem a ser aplicados em indivíduos normais. O acoplamento básico de uma UEC prometia aumento das memórias (auditiva, visual, curta e longa...) e das inteligências múltiplas, o que, por si só, justificava o grande interesse da população, já plenamente habituada ao uso dos OE. Contudo, a fatia da população mundial que realmente chegou a receber os implantes de UEC era constituída, predominantemente, de jovens, entre vinte e trinta anos de idade. Atraídos pelo indescritível aumento de suas capacidades cognitivas e familiarizados com os sucessos e avanços da genetrônica, aceitaram prontamente submeter-se ao processo cirúrgico de acoplamento das UEC. Foi então que o SEI - Salto Evolutivo Induzido — deu seu passo derradeiro. A mente humana ganhava novos limites de capacidade e utilização, uma nova geração de humanos nascia. No final do século XXI, por meio das Unidades Eletrônicas Cerebrais, os jovens tinham acesso mental direto a rede mundial de computadores ou a New Internet, assim como a emissoras de rádio e televisão. Também, softwares específicos, de interesse do portador, podiam ser inseridos no acoplamento mental, de modo que, pela primeira vez na história, a mente humana interagia diretamente com a máquina. Essa façanha só foi possível porque descobriu-se como o cérebro humano decodificava as imagens transmitidas pelos olhos. O olho capta as imagens semelhantemente a uma máquina fotográfica, mas essa imagem é transmitida ao cérebro via impulsos pelo nervo ótico e só então é vista ou traduzida pelo cérebro. Em outras palavras, o fenômeno da visão se dá no cérebro e não no olho, e foram os segredos que dizem respeito ao fenômeno da visão, que desvelados, mostraram aos cientistas como propiciar que as transmissões das imagens da New Internet (incluindo a televisão) fossem enviadas diretamente ao cérebro e ali traduzidas. O mesmo raciocínio aplicava-se aos impulsos sonoros, transmitidos pelo nervo auditivo. O acoplamento das UEC permitia tal conversão e integração, entre máquina e humanos, com pleno êxito. É preciso esclarecer que tal capacidade de conexão que a mente humana adquiria não impedia a visão normal da realidade, pois a visão eletrônica se dava num campo visual interno, tal como um indivíduo que, sentado em uma sala, assiste a um programa de TV, mas nem por isso perde a capacidade de, a qualquer hora, fixar seu olhar e atenção no ambiente ao seu redor.

Foi então que em abril de 2100, milhões de jovens portadores de UEC, no mundo inteiro, começaram a apresentar distúrbios de comportamento, desrespeitando violentamente as Leis Adaptadas de Isaac Asimov. Uma verdadeira horda de jovens acoplados passaram a usar suas capacidades avançadas para escravizar e roubar os não portadores. Não respeitavam nada e ninguém. Essa geração foi chamada de Coração de Metal porque pareciam não ter sentimentos e tampouco qualquer senso de compaixão e justiça; tudo que lhes interessava era seu próprio bem estar e para alcançar seus objetivos eram capazes de qualquer coisa. Alguém precisava detê-los...
 
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