CM - O Futuro de uma ilusão
Marta Rolim
Capítulo Três
CENTRO FEDERAL DE PESQUISA-OE
Brasil abril de 2100
O laboratório de genetrônica estava calmo naquela manhã. Apenas um paciente viera fazer uma revisão em seu acoplamento de UEC. Um jovem que se beneficiara grandemente com o implante. Sua inteligência era excepcional antes do implante e depois do implante atingira o nível da genialidade. Como já esperávamos esse significativo aumento de sua capacidade cognitiva, Vando, o jovem brilhante, estava sendo plenamente assessorado e recebia apoio intensivo em sua transmutação mental. Ter a capacidade cognitiva aumentada da noite para o dia eqüivalia a adquirir visão depois de sofrer de cegueira. No mínimo, se tratava de um fenômeno estressante porque o mundo estabelecido do sujeito virava de pernas para o ar e nada mais era do mesmo jeito. Quebrava-se não apenas um, mas vários paradigmas a um só tempo.
Vando me falava de como se sentia abismado com sua capacidade de concentração quando meu braço começou a piscar.
Um minuto, Vando, vou ter que me afastar, mas volto já.
Ok, doutora. É alguma emergência?
Justamente, Vando, esse é um chamado de emergência.
Retirei-me da sala e falei "mensagem" para o receptor automático em meu braço-OE. Marcos surgiu, na imagem holográfica diante de mim. Parecia muito nervoso:
Raquel, precisamos de você urgentemente na sala de reuniões, prioridade zero!
Estou indo! foi tudo o que respondi.
Chamados com prioridade zero eram raríssimos, tratava-se de um código, aparentemente paradoxo, para dizer que algo muito grave estava acontecendo. Eqüivalia a dizer que estávamos próximos de não ter mais prioridade alguma devido a extrema gravidade da situação. Vida e morte estavam em jogo.
Avisei rápida e superficialmente ao jovem Vando do imprevisto, sem lhe fornecer mais detalhes, e disparei a correr pelo corredor, enquanto ordenava ao gerenciador de controle remoto, presente em meu OE, para que trouxesse o carro ao hangar 6. Graças ao dispositivo de conversação, quaisquer suportes eletrônicos cumpriam ordens faladas. Em questão de segundos o aeromóvel estacionava no hangar. O carro mal abriu a porta e atirei-me pela abertura, caindo no chão acarpetado da pequena nave. "Sala de reuniões da genetrônica!" gritei, cansada pelo esforço. O carro deslizou pelo ar na velocidade máxima.
Cheguei junto com Marcos. Encontrei-o desembarcando no pequeno hangar privativo de nossa sala de reuniões. Ele também estava chegando para a reunião prioridade zero. Como nosso chefe de equipe, Marcos já devia estar a par de todos os fatos. Entramos na sala e deparamos com o costumeiro círculo de colegas, sentados em suas cadeiras acolchoadas, de frente uns para os outros. Éramos seis.
Segurança máxima; ata criptografada; isolamento acústico; filmagem dos participantes ocultando leitura labial ordenava Marcos ao programa gerenciador da sala, que automaticamente ia ativando os dispositivos de segurança e disponibilizando os serviços de secretária virtual.
Nos entreolhávamos tensos à medida em que o gerenciador ia anunciando suas tarefas cumpridas.
Varredura feita, não encontrados intrusos. Portas seladas; campo de força on-line; isolamento acústico acionado; filmagem sem foco labial sendo iniciada; secretária ativada: ata criptografada. Status da configuração: OK!
Bem, senhores irrompeu Marcos, assim que o gerenciador terminou de falar vamos ao que interessa, não temos tempo a perder. Em primeiro lugar, alguém de vocês recebeu acoplamento de UEC, qualquer acoplamento de UEC?
Todos olhamos para Carla, ela fizera um acoplamento básico para aumento de memória e das sinapses neurais.
Que tipo de pergunta é essa? Todos aqui sabem que fiz um acoplamento, um pequeno. Qual o problema? falou Carla, visivelmente irritada.
Carla, preciso apenas desta informação. Alguém mais implantou UEC? a voz de Marcos cortou o ar, ele precisava manter o controle sobre a equipe e sabia que não seria fácil.
Ótimo! disse Carla confirmo que sou portadora de UEC!
Mais alguém nesta sala recebeu acoplamento cerebral, por menor que seja? Vou chamá-los por nome e me respondam por favor: Rachel? não Carla? sim Roger? não Hélio? não Nei? não Marcos? não.
Ficamos em silêncio após respondermos. Eu sabia que Marcos indagava de forma metódica a fim de todos os procedimentos ficassem claramente gravados pelo gerenciador e servissem de prova testemunhal em caso de necessidade.
Bem, creio que dentro de nossa equipe, somente Carla é portadora.
Colegas, tenho uma missão especialmente difícil hoje, e peço
que tentem colaborar o máximo possível. Não peço
apenas por mim, mas peço pelo país e... pela humanidade...
Carla, infelizmente a notícia vai envolver especialmente a você,
mas quero que você seja forte e participe conosco deste projeto.