A SAGA DOS VÊNETOS
Tenini
TERCEIRO CAPÍTULO A família |
Os compromissos aumentaram
para Giuseppe, com aquela movimentação toda em sua casa,
a designação como cônsul honorário da Itália
para toda a região que abrangia quatro vilas. Era convidado das
autoridades brasileiras que o distinguiam com honrarias, até então,
ignoradas. Nessas incursões sociais, conheceu a filha do Intendente
da Comuna, Sr. Aldebrando Lima de Oliveira. O Intendente tinha uma filha
de 25 anos, bonita, mas um tanto arredia, contrariando o comportamento
das mulheres imigrantes, que eram mais livres... Giuseppe gostou do jeito
daquela signorina, que o olhava com o rosto escondido em um leque português
ou espanhol... e via uns grandes olhos negros, emoldurados por sedosas
pestanas que baixavam ao encarar os dele... Começou a caprichar
no visual, cada vez que ia à casa do Intendente... Levava, então,
um ramo de flores que colhia no seu jardim. Rosas, muito rubras, com ramos
de alecrim... e presenteava a signorina brasileira, que agradecia com um
leve mover de cabeça. A jovem, de negros cabelos, presos ao alto,
em um coque, onde sobressaía um prendedor de ouro, não trocava
palavras com ele. Silenciosamente, sentava-se ao piano e tocava noturnos
de Chopin. Indaga daqui, indaga dali, soube que a moça estudara
na Capital e teria tido um romance, contrariado pelo pai, com um poeta
de Porto Alegre...
Chamava-se Letícia,
que em latim (laetitia) quer dizer alegria... Giuseppe amava Margheritta,
mas não estava morto para mulheres, gostava de apreciá-las,
especialmente, uma raridade como aquela. Mas seja porque não falassem
a mesma língua, seja porque ambos estivessem presos por laços
de afeto a outras pessoas, não chegavam a uma atitude mais explícita
de namoro.
Tais arreganhos de Giuseppe,
logo foram parar nos ouvidos de Margherita, que de imediato, mandou
o noivo catar pulgas em outro viveiro... E foi à luta para definição
sobre as intenções do pretendente. Assim, Giuseppe, entre
a cruz e a espada, concordou em marcar casamento com a “espoleta” Margherita.
Afinal, não era isto que ele tanto queria? É, mas agora,
estava descobrindo outros “tesouros”...
O pai de Margherita, resolveu
encampar os desejos da filha e passou a pressionar Giuseppe... dizendo-lhe
que sua filha estava sendo “falada”... por ter sido vista em” matinhos”
com ele. Mamma mia, pensou. Era uma injustiça, uma que outra vez,
encontrara com ela, por acaso, e tivera o cuidado de não tocá-la.
Respeitava-a porque era noiva de outro... Enfim, as coisas foram se apertando
de tal modo, que Giuseppe não teve outra saída. Marcou a
data para 10 de Maio de 1886...
Repentinamente, Leticia
partiu para a cidade e, todos começaram a dizer que ela fora raptada,
à noite, por um homem que viera à cavalo, usando uma capa
de gaúcho.. Diziam que era moreno e usava um chapéu
que lhe cobria os olhos... Outros diziam que ela estaria grávida
e que o amante viera buscá-la... O Intendente, impassível,
nada declarava, usando de evasivas, quando lhe perguntavam sobre a filha...
Giuseppe percebeu, então, que também as mulheres brasileiras,
aprontavam surpresas, por baixo dos panos...
A festa foi comemorada com
muito vinho, macarronada , tortas de morangos, de uvas, de bananas... na
improvisação campesina.. pois usavam o que tinham de
disponibilidade. A bandinha, tocou o tempo inteiro músicas
italianas e o povo cantava as músicas do repertório
popular... Santa Lucia, Ti voglio bene, Massolin di fiore e outras.
A primeira noite foi inesquecível.
Giuseppe, embalado pelo vinho que tomara, teve ousadias jamais pensadas,
desnudou a noiva e fez dela o que quis... Ela, um pouco assustada com o
ímpeto dele, logo rendeu-se aos encantos de uma entrega total
e apaixonada.
O dia a dia transcorria
agradável, ela cuidava dele e seus familiares, o Babbo Domênico,
do sorello Giugliano, que só pensava em retornar para a Itália.
Até que, um dia, arrumou sua bagagem e partiu de volta para a Itália,
mas não a Belluno. Houve notícias desencontradas, uns
diziam que ele estaria em Roma, Veneza ou Milão. Outros, que imigrara
para a América do Norte.
Restaram na casa de pedra,
o novo casal e o velho Domênico, que começou a implicar com
os modos libertários de Margherita. Ela, inclusive, alimentava uma
discreta disputa de Giuseppe com o clero local. Mas, eram católicos,
iam à missa e comungavam... Mas, Margherita se recusava a confessar,
pois dizia que eram assuntos íntimos seus. O primeiro filho nasceu
no ano seguinte e chamou-se Jeronimo. Era o primogênito e, segundo
a tradição italiana, deveria sempre ser o líder dos
irmãos que nascessem...
A cada ano o casal acrescentava
um novo rebento. Mas, do segundo em diante, começaram a vir mulheres
em profusão. A casa de Giuseppe passou a ser conhecida como
a Casa das Meninas... Giuseppe descobriu que não só as mulheres
admirava, adorava brincar com as crianças e tinha uma personalidade
muito alegre para o trato com elas. Gostava de colocá-las
no colo para contar-lhes histórias de fadas, de castelos italianos,
introduzindo-as no mundo das fábulas... Entre elas, citamos O Bezerrinho
de Chifres de Ouro, A Terra onde não se morre nunca. As três
velhas, O Príncipe caranguejo, O corcunda sapatim, O Ogro com penas,
Anel Mágico e outras fábulas da tradição popular
da Itália.
Com Jeronimo, Giuseppe tinha
planos de torná-lo um grande industrial, na fabricação
de material agrícola. Desde pequenino, introduziu-o nas lides, com
ferramentas e levava-o às matas, ensinando-lhes os poderes de cada
erva. Quando ia caçar, sob protestos de Margherita, Giuseppe levava
o menino para a caça de perdizes e marrecas que tinham em profusão
na região.
O menino pegou gosto pelo
esporte e aos seis aninhos, já portava uma mini espingarda,
adaptada pelo pai. Na volta, Giuseppe reunia a família e fazia
uma passarinhada, temperada com óleo de oliva, manteiga, cebola,
alho e sálvia... Para acompanhar, Margherita fazia uma polenta num
tacho, com farinha grossa de milho e sal, onde ia botando água por
quase duas horas, para ficar bem cozida e não dar vermes nas crianças...
Ela era uma boa cozinheira, mas nos domingos, era Giuseppe quem tomava
conta do almoço. Então, preparava pratos deliciosos, com
muito molho e massa.
As crianças criavam-se
fortes e saudáveis, coradas e bem tratadas. Não esqueçamos,
porém, que Margherita gostava de ler e Giuseppe, sempre encomendava
aos mascates romances que surgiam na cidade. E, como cônsul honorário,
recebia livros e revistas italianas, que faziam a felicidade da sua “moglie”
(esposa)...
Giuseppe, além da
forja, pegava todo serviço que aparecesse, seja na construção
de estradas, seja nas melhorias que eram feitas na comunidade. Não
importava o dinheiro oferecido, importava que estava ajudando na construção
de uma nova Pátria, seu novo lar. Era idealista e tinha uma fé
inquebrantável no futuro daquela cidade. Colocou as crianças
nas escolas particulares que se instalavam ali. Mas, tais escolas não
tinham continuidade, logo desistiam .Achavam dificuldades em ensinar crianças
que falavam outra língua. Então, Giuseppe recorria a professores
particulares para o aprendizado do português e demais matérias,
para a formação educacional dos filhos. Era com orgulho que
falava na inteligência deles e as crianças adoravam falar
as duas línguas: o italiano e o português...
A polivalência de
atividades de Giuseppe prejudicava-o no desenvolvimento da situação
econômica. Então, Margherita começou a exigir que ele
se definisse por uma ou outra atividade, sem prejuízo, claro, de
suas funções de cônsul honorário...
Os vizinhos estavam progredindo
com a plantação de vinhas. Para isso, ele teria de
mudar para uma gleba maior. Não foi difícil, logo conseguiu
financiamento e transferiu-se para uma gleba bem maior. Então,
começou a desenvolver castas de uvas, para que dessem bons vinhos...
Construiu uma ampla casa de madeira, com conforto para acomodar a ampla
família que ia chegando. O pai Domênico, morreu lá
por volta de 1900, já bem idoso e foi enterrado com o mesmo fraque
e cartola, com que passeava pela Comuna.
Giuseppe sugeriu o nome
de Anita Garibaldi ao grupo de cidadãos que pleiteavam a emancipação
da Vila e conseqüente municipalização da cidade. Assim,
em outubro de 1900, a Vila dos Bugres foi transformada em município,
com o nome sugerido por Giuseppe, que desejava homenagear o grande herói
Garibaldi, na figura de sua mulher brasileira, Anita Garibaldi.
Dali para frente, a pequena cidade, encravada no vale dos pinheiros,
foi tomando impulso de crescimento, com o entusiasmo dos italianos e seus
descendentes... Enquanto isto, a família de Giuseppe crescia e ele
começou a preocupar-se com o destino das filhas mulheres. Deseja-as
bem casadas, de preferência, com italianos. Eterno correspondente
da Itália, tinha contatos com parentes em outras cidades italianas,
como Veneza e Milão. E as meninas também escreviam cartas
aos primos e outros parentes que tinham ficado lá.
Era estranho que Giuseppe
que tanto havia trabalhado pela cidade, não permitisse que as filhas
namorassem, sequer, residentes da localidade...
Quando Jeronimo tinha quinze
anos, apareceu pela cidade um grupo de italianos que passavam filmes.
Todos correram para ver a novidade do cinema mudo. Jeronimo apaixonou-se
por esta atividade e seguiu com eles, quando deixaram a cidade, sob protestos
do pai... Giuseppe ficou desolado, pois almejava um grande futuro como
industrial para o filho e o via partir com a ilusão circense de
um cinema mudo!!! Mas, não tolheu a saída do filho,
pois ele esperava que “um giorno, il figlio a casa torna...” Este desgosto
fez com que Giuseppe procurasse outros compatriotas, nos Armazéns,
onde bebiam e jogavam cartas, jogo da mora de outras jogatinas italianas,
de mesa. Aos domingos, passou a ausentar-se de casa, distraindo-se, descobrindo
no jogo um fascínio novo... Ora ganhava ora perdia... e Margherita
passou a temer pela segurança da família.
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