A SAGA DOS VÊNETOS
Tenini
QUARTO CAPÍTULO |
Nada mais importante para
Margherita do que sentir-se segura no seu lar, junto à família.
Por isso, os novos hábitos de Giuseppe trouxeram preocupações
extras. Para tirá-lo da jogatina do Armazém, começou
a dar tratos a bola como faria. Sabia que ele tinha um grande afeto pelo
filho Jeronimo, que decidira deixar a casa, buscando aventuras que o cinema
mudo sugeria. Ela, também, ficara muito preocupada com a ida do
menino, em companhia daqueles italianos que introduziam o cinema no Brasil.
Disseram que o colocariam para auxiliar em todas as tarefas relacionadas
com as projeções dos filmes que traziam. O filho tinha uma
personalidade forte e fora criado pelo pai, percorrendo as matas e caçando,
como os aventureiros nas selvas. Havia uma ânsia de liberdade nele
que ninguém conseguiu controlar. Ele queria conhecer o Brasil, de
norte a sul. Restava rezar e muito para que tudo desse certo. Prometera
que escreveria sempre contando tudo sobre ele.
Giuseppe magoou-se e passou
a beber mais do que o costume, além de jogar. Margherita reuniu
a família e colocou as cartas na mesa, pediu a ajuda de todos para
que Giuseppe abandonasse as novas companhias e vícios perigosos.
Sugeriu que passassem a jogar cartas em casa. Canastra, copa e outros carteados
populares. Pensou até em bilhar... Comprou uma toalha de feltro
verde e combinou com os filhos de fazer surpresa ao marido. No domingo
cedo, preparou uma das mesas da sala e colocou baralhos que comprara do
mascate, um copo com grãos de feijão, como fichas. Giuseppe
levantou-se e surpreendeu-se com a novidade. As meninas penduraram-se nele
e pediram que ficasse em casa para ensinar-lhes os jogos de cartas. Ele
não pôde recusar. E assim, foi. As tardes domingueiras passaram
a ser divertidas e, em pouco tempo, Giuseppe rareou as idas ao Armazém.
Não as eliminou, mas passou a ir com menos freqüência
àquele local. Tampouco deixou de jogar... Logo começaram
a chegar cartas de Jeronimo e todos ficavam maravilhados com os relatos
que fazia dos locais por onde passava.
Estava conhecendo o Brasil,
palmo a palmo... o seu círculo de relações era de
artistas e homens cultos: pintores, escritores, músicos, poetas.
Com isso enriquecia seus conhecimentos. Numa das cartas falou que voltaria
ao Sul, quando tivesse dinheiro para montar seu próprio negócio.
Nem que tivesse de esperar muitos anos.
A família de Giuseppe
e Margarida era composta de treze filhos. Dez mulheres e três homens.
Os dois homens que ficaram foram Pietro e Marco. Entre as meninas começavam
a despontar algumas, muito belas. Eram cultas e prendadas, logo vieram
convites para lecionarem filhos de colonos abastados em vilas próximas,
que ficavam distantes de escolas primárias. Para isso, teriam de
sair de casa para residir no emprego, onde lecionariam português,
aritmética, ciências e história... Três delas
aceitaram a experiência e cedo começaram a contribuir para
a manutenção da casa paterna. Entretanto, tiveram que contar
com alguns assédios de patrões, que comprometiam suas atividades.
Os pais aconselhavam: Vocês devem trabalhar com honestidade.
A honra é muito importante para serem respeitadas.” Lavoro fa nobilitá...”
era uma das frases preferidas de Giuseppe.
As filhas que preferiram
ficar em casa, ensinavam pintura, bordados, crochê e frivolitê
e auxiliavam na fabricação do vinho. Os ganhos eram modestos
mas serviam de ajuda para a melhoria da vida em família. Tais hábitos
eram desconhecidos das famílias brasileiras, que poupavam as filhas
dos trabalhos em geral...
Entretanto, tinham a esperança
de, um dia, conhecerem o “Castello” na Itália, que o pai tanto se
referia... Não se sabe se elas se julgavam “nobres”, mas tinham
uma postura diferente das outras imigrantes. Trajavam-se com elegância,
observavam a moda e tinham cuidados com a aparência pessoal... Três
delas casaram-se com italianos que conheceram por correspondência,
um deles, com laços de parentesco. Vale contar como aconteceu...
A primeira foi Mina, que
se casou com um médico italiano que viera iniciar carreira aqui...
Na chegada, o Dr. Giusti procurou o cônsul honorário, Giuseppe,
que o hospedou por algum tempo... Tempo suficiente para namorar e casar
com uma das filhas mais velhas do anfitrião.
A outra, Mirella, casou-se
com um primo, que viera da Itália, atraído pelas belas cartas
que ela escrevia. Mirella era uma bela mulher, admirada por todos que a
viam e, certamente, ele ficou impressionado com a jovem. O que ninguém
contava é que depois de quinze dias, o coração de
Mário estava balançando entre Mina e Luna. Luna era a filha
mais moça do casal, no vigor dos dezesseis anos. Não
era bonita, mas tinha um carisma especial de doçura e peraltice
que encantou o hóspede. Logo ela achou um jeito de segredar-lhe
que quem escrevia as cartas para ele e enviava poesias era ela e não
a irmã. Este fato fez com que Mário passasse a conversar
e brincar mais com a caçula, dando pouca atenção à
noiva. Luna, é claro, apaixonou-se pelo pretendente da irmã
e todos falavam a boca pequena que Mário estaria visivelmente atraído
pela caçula... Houve muitos cochichos entre as outras irmãs,
até que os pais chamaram Luna às falas... Disseram-lhe que
não ficava bem a traição que ela estava aprontando
para a irmã... Ela chorou e confessou que ambos se amavam, argumentou
que ela seria uma versão feminina de Cyrano de Bérgerac...
mas isto não comoveu Giuseppe nem Margherita.
Mário, sem outra
alternativa, acabou por concordar em casar com Mirella, conforme havia
prometido. A festa de casamento não teve o brilho esperado, havia
qualquer coisa no ar de burla... Mirella fingia ou ignorou o episódio...
O certo é que foi ela quem faturou o belo Mário e o casal
deixou a casa para residir em Minas Gerais...
Passado o episódio,
Luna namorou e noivou com um rapaz da cidade, mas na véspera do
casamento, inesperadamente, rompeu com ele. Perguntada, nunca quis dar
explicações, fechando-se num mutismo, que todos, no fundo,
sabiam a razão. Mário sempre que podia, voltava à
Anita Garibaldi e ficavam os dois conversando por longo tempo. Mas nunca
se soube o que tanto falavam.
Giuseppe progredia lentamente,
com a ajuda dos dois filhos, desenvolvendo a vindima com a fabricação
de vinhos especiais. Tinha fregueses certos para uma produção
não volumosa, como os outros concorrentes. Mas, falava em alto e
bom tom, que seu vinho não dava azia...
Giuseppe sentia-se feliz
com a família, apesar dos percalços e desfechos inesperados.
Sentia-se rodeado de mulheres inteligentes e interessantes que eram suas
filhas. Os netos começavam a chegar. Entre as filhas, tinha especial
preferência por Venézia, e já saberemos o porquê...
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