A SAGA DOS VÊNETOS
Tenini
QUINTO CAPÍTULO |
Venézia,
a preferida de Giuseppe, era a sétima da família. De início
passou despercebida, sem muito controle dos pais que tinham outras preocupações,
tais como o de alimentar o bando, num país ainda em início
de colonização italiana e dar-lhes rígidos princípios
morais, conforme mandava a Santa Madre Igreja, embora a Mamma Margherita
preferisse ler Agatha Christie, do que tomar conta dos filhos, ler a Bíblia
ou rezar ladainhas.
Mas Venézia era curiosa e muito independente, como sói acontecer
com os filhos do meio. Logo os manos mais velhos a apelidaram de Volpe
(Raposa)... Sim, porque ela era a mais inteligente e esperta da família
e, não foi sem razões que Giuseppe passou a observá-la
com maior atenção. Jamais a elogiava, mas, aos amigos falava
com entusiasmo sobre os dotes filha. “É uma artista completa dizia:
“— Toca, canta e pinta.”. Tais comentários irritavam Volpe, que
tinha consciência de que seus dotes eram muito dispersivos...
Margherita sempre desejara um piano, mas sua família jamais pôde
comprar. Então pediu a Giuseppe como presente de casamento. Ele
comprou-lhe um piano alemão, vertical, porque os de cauda eram muito
caros e raros. Bem que ela tentou aprender, mas faltava-lhe paciência
e tempo para estudar. Então, coube às filhas, estudar piano,
como estava em moda nas boas famílias. A maioria tocava de ouvido,
mas Venézia tocava por música e tinha uma destreza nos dedos
que impressionava quem a visse. Diziam: — “Vai ser uma pianista!” Mas,
no fundo não era isto que ela queria e sim, outras artes, como pintar,
dançar, fazer teatro, sem se definir por nenhuma.
Volpe tinha, ainda, seus próprios conceitos sobre o bem e o mal,
por isso não dava ouvidos aos comentários severos sobre seu
comportamento. Era parceira dos irmãos e seus amigos, em jogar
bola no campinho atrás da casa. Além disso, ela sempre dava
um jeito de tirar proveitos da melhor parte em tudo.
No Colégio das freiras era muito atilada, mas voava mais do que
o naviozinhos que atirava em plena aula. (Eram naviozinhos mesmo, porque
naquele tempo, desconheciam aviões...) Poderia ter sido professora,
mas se recusou, já que não poderia aprender o ballet, preferindo
sapatear tarantelas nas uvas para fazer o vinho, coisa que todos admiravam
porque, como herança familiar incontestável, possuía
belas pernas, normalmente escondidas em compridas saias... De sobra, como
boa descendente de italianos, gostava da Arte: desenhava e pintava flores,
inclusive o sete... O Pappa Giuseppe costumava contar uma anedota italiana
que dizia: “Quando um bebê italiano nasce, os pais o atiram na parede...
Se grudar, será pintor... se gritar, será cantor...”
Volpe, adolescente, era bonitinha, como todas são, tinha longos
cabelos em tons dourados avermelhados, olhos miúdos, glaucos, penetrantes
e luminosos. O nariz era petulante, herdado da mãe e a pele, num
tom branco leitoso como as venezianas, embora um pouco sardenta...A boca
era bem desenhada em forma de coração. Como enfeite, usava
um laçarote azul nos cabelos que desciam até a metade das
costas. Foi ela quem descobriu a história da viúva do irmão
do Babbo Giuseppe, que vinda de Veneza, apareceu acompanhada pelo jovem
enteado, filho do primeiro casamento do falecido. Logo que chegaram pareciam
realmente tristes, mas, Volpe, já treinada nos romances de Agatha
Christie, surrupiados da Mamma, achou um jeito estranho no comportamento
dos dois: Ouvia longos suspiros que Volpe desconfiou nada terem a ver com
sentimentos de dor... “Nesse mato tem coelho... (pensou)” Além do
mais, o casal sumia em longos e misteriosos passeios pelo Parque de Santa
Mônica, local ermo, a beira de um lago... Acontece, ainda, que o
“ragazzo” não estava nem aí, para as belas e jovens primas,
esmerando-se em dar atenções e consolar a viúva de
seu pai. Não deu outra, Volpe planejou a vingança. Espia
daqui, espia dali, pelos buracos de fechaduras, acabou flagrando um tórrido
romance entre a exuberante e coroa madrasta com seu jovem e “ intrépido”
enteado...
Volpe botou a boca no mundo, causando um rebuliço na família.
As moças ostentando uma falsa moralidade, que escondia o despeito,
exigiram pronta providência do Babbo Giuseppe, dizendo: “Questa donna
é una putana...” O fato fez com que o Babbo desse ultimatum ao casal
para deixar a casa, contra a opinião da Mamma, que sentenciava,
surpreendendo a todos : “Lasciare vivere... “ É que a Margherita,
ávida leitora de romances, acompanhava os avanços dos novos
tempos, mas foi prontamente repreendida pelo marido, que era assíduo
comungante da paróquia local... A resposta veio fulminante: — “Vate
futere”, disparou Margherita...”. Giuseppe sorriu e pensou lá com
os seus botões: “Estava demorando...”.
O casal, pomo da discórdia e transgressor dos “bons costumes”, teve
de retornar rapidamente à Itália, não sem antes passarem
por um túnel de panelaços na saída de casa. Nunca
mais se soube deles.
A fofoca correu como rastilho de pólvora pela colônia, embora
por baixo dos panos se soubesse que ferviam ali, outros casos de amor,
comentados a boca pequena, mas nem por isso, menos picantes.
Volpe, imbuída de dotes sherlockianos, passada a efervescência
do episódio, andou suspirosa, arrependida, concluindo-se que ela
nutria um amor platônico pelo primo mazcalzone, daí a vingança.
As irmãs torraram sua paciência por um bom tempo.
Um dia, Babbo Giuseppe recebeu uma carta do Conde Brandolini, Embaixador
da Itália, em São Paulo, de que estaria em visita à
colônia, um nobre italiano, que ostentava o pomposo título
de Conde e que seria jovem e solteiro... Tal assunto interessou as moças
casadouras da colônia, em especial, as filhas do cônsul honorário...
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