AS AMAZONAS - Orgulho de uma raça, Danna D.



PRÓLOGO

Hércules, filho de Zeus com uma mortal, fora desde seu nascimento perseguido por Hera, a ciumenta esposa do deus. Esta tudo fizera para destruí-lo culminando por levá-lo à loucura, quando então assassinara sua  família. Recobrando a lucidez e horrorizado com seu crime, o semideus  pensara inicialmente em suicidar-se. Consultando, entretanto, o oráculo de  Delfos fora instruído a entregar-se ao rei Eristeu que lhe impôs doze  dificílimas tarefas, as quais cumpridas garantiriam seu perdão. Dentre elas  estava obter, para a filha do rei, o cinto de ouro usado por Hippolyta, a  rainha das Amazonas, que lhe fora presenteado por Marte, o deus da guerra, e  que simbolizava o poder.
O encontro entre Hércules e Hippolyta fora amistoso a ponto de fazê-la  ceder-lhe, de bom grado, o cinturão de ouro. Hera, que a tudo assistira  resolveu, implacável, mais uma vez prejudicar o herói. Para tanto,  metamorfoseada em Amazona infiltrou-se no meio delas disseminando o falso  boato de que Hércules houvera raptado Hippolyta às suas vistas. As  guerreiras, indignadas com tanta audácia, investiram contra o herói e suas  tropas deflagrando violenta batalha, vencida por Hércules.

CAPÍTULO  I

Apartada das suas  irmãs, a jovem Amazona se arrastava pelo solo manchado de  sangue.

A luta selvagem travada contra os gregos, chefiados pelo filho de Zeus, fora  desastrosa. Destroçadas e humilhadas, as mulheres guerreiras, tidas como  invencíveis, foram obrigadas a fugir, deixando sua orgulhosa rainha  Hippolyta nas mãos de Hércules. Este a submetera, presenteando-a a seu amigo  Teseu.

Parcialmente coberta por sua montaria Onitia fora, também, tomada como morta  e, em meio às fogueiras que se multiplicavam pelo campo, conseguira escapar. No fogaréu da peleja, perdera suas armas que tanto a dignificavam: o conjunto de arco e flecha, o machado e o escudo, partidos pela clava do  inimigo. Restaram-lhe apenas a lança e a dignidade. Não contava com a ajuda de ninguém, salvo sua tenacidade e a enorme vontade de viver. Viver para  vingar a derrota vergonhosa; viver para reagrupar as companheiras e recuperar sua rainha, covardemente raptada. Viver para provar que ninguém seria capaz de destruir as Amazonas!

Como a armadura lhe pesasse terrivelmente, optara por remover sua última  proteção. Observava, espantada, o braço esquerdo meio despedaçado, enquanto  apalpava o corpo em busca de ossos fraturados. Não os encontrou,  constatando, porém, diversos cortes e ferimentos esparsos pelo corpo, em sua  maioria superficiais. Suas maiores baixas foram o braço dilacerado e uma  ferida profunda na coxa direita, que dificultava sua locomoção. Mesmo assim, insistia; não podia nem queria parar.
Depois de muitas horas de marcha, quando o sol já caminhava para o poente,  viu um casal de crianças brincando. A visão da jovem seminua, coberta de  ferimentos e sangue coagulado, apoiando-se na lança, qual uma velha ao  cajado, fê-los fugir, assustados. Tentou gritar mas a garganta estava seca.  Há quanto tempo não bebia? Deixou-se cair exausta, sempre mantendo a lança  como um prolongamento da própria mão.
–  Serei devorada pelos abutres – pensava; mas não antes de acabar com meia  dúzia deles. Em falta de melhor – um sorriso feroz acompanhou este  pensamento.
Passados instantes ou teriam sido horas? – não conseguiu discernir, ouviu  passos furtivos. Abriu os olhos com dificuldade  e viu delinear-se a frágil silhueta de uma menina, que se inclinava em sua direção. Nela, reconheceu um  dos fugitivos e estendeu-lhe o braço em busca de ajuda. Assustada, a pequena deu um pulo para trás. Só então Onitia lembrou-se da arma presa a seu punho. Soltou a lança, cuidando em mantê-la próxima, e gemeu alto. A menina voltou a se chegar timidamente.
–  Me ajuda, em nome dos Deuses! - Não reconheceu sua própria voz, ressecada e baixa. Sentiu que um cantil lhe era aproximado dos lábios partidos. Bebeu com sofreguidão, até não mais conseguir controlar a deglutição. Engasgou-se.
A criança ajudou-a, com dificuldade, a soerguer-se. A guerreira olhou-a,  agradecida.
–  Como te chamas? – sussurrou.
–  Creusa.
–  Sabes quem eu sou?
–  Sim. Uma Amazona!
Apesar de seu estado lastimável, notou uma ponta de orgulho na voz da garota. Fez um esforço supremo para encarar aqueles límpidos olhos azuis,  que emolduravam a loura figura de tranças e, desfalecendo, murmurou:
–  Ajuda-me.
 
 

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