AS AMAZONAS - Orgulho de uma raça, Danna D.
 

CAPÍTULO II

A velha curandeira observava a jovem flexionar os músculos do corpo.
 – Este braço não tem mais a mesma força.
 –  Pior seria se o tivesses perdido – retrucou a feiticeira.
Onitia sorriu condescendente. Preparava-se para a partida. Creusa a esperava  segurando pela mão o único cavalo da vila, no qual ajeitara alguns poucos  pertences. Seu irmão, amuado, observava-a de longe. Sabia que ia perdê-la.
Os poucos habitantes do lugarejo, a maioria velhos e crianças, respeitavam  as Amazonas. A fama dessas mulheres guerreiras era por demais conhecida para  que as desfeiteassem. Além do mais, habitavam em seu território e reconheciam-nas como justas e generosas, se bem que temíveis em combate.
Saltando agilmente para o cavalo, Onitia estendeu a mão para Creusa, a quem  resolvera adotar. Sentiu, de uma forma quase imperceptível, a aflição da  menina em relação ao irmão. Um tanto irritada, endureceu as feições e disse  friamente:
 –  Vai, despacha-te.
Com o olhar vazio de emoção, viu as duas crianças se abraçarem, em prantos. Não se comoveu. Lembrou-se de sua própria mãe afogando seu irmãozinho  recém-nascido. Este era o costume entre as Amazonas.

Essa comunidade de mulheres foi considerada em toda a história como o  símbolo da mulher livre, em busca de seus próprios valores, sempre em luta  contra a prepotência e o domínio masculinos. Faziam questão, elas mesmas, de  escolher os homens para fecundá-las e uma vez nascida a criança,  só  mantinham em sua companhia as do sexo feminino. Os meninos eram mortos ou  então devolvidos a seus pais, para serem criados longe de suas vistas.

Aos treze anos, Creusa era uma criança magra, aparentando menos idade que a  real. Seus longos cabelos louros mantinham-se presos por duas tranças, que  alcançavam a metade das costas, e seu rostinho era queimado pelo sol  inclemente da montanha. O único fato digno de nota em sua frágil figura eram  os belíssimos olhos azuis, que por vezes mudavam a tonalidade para um azul  esverdeado. Ao tomá-la como discípula, Onitia sentira que poderia  transformá-la em valorosa guerreira. Para isso, fora essencial cortar os  laços familiares.
Era ela também muito jovem, não tendo completado ainda dezenove anos. Alta,  de cabelos e olhos escuros, tinha a pele bronzeada, ligeiramente marcada por  finas cicatrizes – lembranças de guerra. Extremamente bela, era dotada de  porte nobre e altivo, envolto por uma aura de austeridade. Devota de  Ártemis, a deusa da virgindade, mantinha-se casta e orgulhava-se disto.

À noite, quando apearam para descansar, Onitia resolveu ali mesmo iniciar a  futura guerreira.
 –  De hoje em diante, te chamarás Scylla. Esse era o nome de minha mãe.
Em seguida, despindo a curta túnica, ficou inteiramente nua.
 –  Vês que só tenho um seio?
 –  Sim – murmurou a menina, empalidecendo.
 –  Foi minha mãe que queimou-o, quando eu era mais nova que tu. É nossa  tradição. Só assim podemos firmar o arco e a lança com facilidade.
Creusa ou Scylla, como a chamaremos doravante, olhou-a apavorada.
 –  Calma, criança – disse a Amazona serenamente.  –  Sei que me entendes. Passarás por isto, mas não será hoje.
Aliviada, a menina correu em sua direção e Onitia, enternecida, abriu os braços, onde ela se aconchegou, trêmula. Delicadamente, continuou a falar-lhe em voz baixa, porém firme:
 –  Se queres ser Amazona, tens que aprender a suportar a dor e desconhecer o medo. Vacilarás? – Scylla balançou negativamente as tranças e mergulhou a cabeça no único seio da companheira. Onitia sorriu, satisfeita consigo mesma, enquanto soltava os cabelos louros de sua pupila.

Com o passar dos meses, as Amazonas dispersas durante a batalha foram se reagrupando. Onitia, embora jovem, passara a exercer uma forte liderança entre elas, que a respeitavam como a uma rainha.
Paralelamente, crescera a amizade entre Onitia e Scylla. A primeira, ministrando seus conhecimentos bélicos de forma exaustiva e incansável. A segunda, sempre pronta a aprender e demonstrando uma combatividade inesperada.
Finalmente chegara o momento tão ansiado e temido por Scylla. Aprisionada por correntes, recebeu da própria amiga o ferro em brasa, de superfície esférica, que de forma emblemática mutilava-lhe o seio direito e a tornava a  mais jovem dentre as Amazonas. Não gritou. Mordeu os lábios violentamente até sangrá-los e descarregou em sua algoz um olhar pleno de ódio.
Onitia fez questão de acompanhá-la, pessoalmente, em sua recuperação. Ficara agradavelmente surpreendida com a reação da menina – o orgulho, no lugar do pranto, tinha, a seu ver, muito mais valor.
 

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