VIA ZAMBI -  Marta Rolim

Capítulo  Dois

Visão-linear

Século XXV ao CC

O imaculado, o forte e o belo de agora
Stéphanie Mallarmé
Nesse intervalo de tempo, abrangendo nada mais nada menos do que 17.600 anos de história ou cento e setenta e seis séculos, aconteceram pelo menos três saltos evolutivos na espécie humana, perfeitamente documentados.

No ano de 7500 D.C. observou-se que alguns bebês estavam nascendo completamente desprovidos de pelos, mas com longos e espessos cílios oculares. Estes bebês foram carinhosamente chamados de “Nus” (abreviação do nome científico Homo Sapiens Nudis) e logo demonstraram que obtinham mais sucesso em seus empreendimentos do que os bebês comuns. Pareciam sentir menos calor e posteriormente descobrimos que suas dermes permitiam uma diferente ventilação orgânica, baixando a temperatura do organismo em caso de necessidade. Estes bebês tornaram-se adultos adaptados às altas temperaturas, mas surpreendentemente, também às baixas, pois os poros abriam-se e fechavam-se conforme a temperatura externa, do meio ambiente. Em poucos séculos os descendentes destes bebês Nus originais multiplicaram-se e no ano 8000 já constituíam a inteira população global.

O Brasil permanecia sede do governo mundial e sem dúvida tornou-se o império da nova era. É preciso esclarecer que o sistema econômico vigente não era em nada semelhante ao sistema capitalista que vigorava antes da Grande Seleção Natural. Agora mantínhamos um sistema político-econômico que consistia num misto de capitalismo e socialismo, que denominamos de Capitalismo Solidário. Quando uma nação precisava de ajuda, nenhum lucro era mais importante do que manter nossos irmãos alimentados e protegidos. Talvez isso, àquela época, quando os brancos dominavam, pudesse soar utópico, mas para nós, os sobreviventes fundadores de uma Nova Era, tal postura caridosa fazia pleno sentido. Sabíamos muito bem o que era sofrer a escravidão e a exclusão, além de perdas escatológicas, e essa memória coletiva nos conduzia a um caminho de mais compreensão e sabedoria.

Nossos cientistas concluíram que o nascimento dos bebês Nus tinha sido propiciado pelo sofrimento contínuo de algumas gerações com o calor abrasador. Como tal sofrimento não havia resultado em morte da população negra, mas persistira por algumas gerações, o código genético sofrera alteração brusca, adequando-se ao meio. De alguma forma, o sofrimento (e todas as transformações fisiológicas por ele disparadas), quando sentido por uma população inteira de indivíduos, por várias gerações sucessivas, eliciava uma mutação pró vida e saúde.

Assim havia sido desde os tempos imemoriais. Como quando os animais aquáticos necessitaram, talvez devido a carência de alimentos, sair da água e tocar o solo firme. Quanto sofrimento não terão padecido tais criaturas? Suas delicadas nadadeiras sangraram devido ao atrito com o solo áspero e pela tentativa de sustentação do aumentado peso do corpo, acostumados que estavam somente ao meio líquido. Quantos mortos atolados à beira d’água? E suas tremendas dificuldades para oxigenação do sangue, no exaustivo vai e vem do meio aquático para a terra e vice-versa? Quantas gerações terão assim sofrido até que a primeira sombra de pata surgisse? Infelizmente, a população de humanos brancos não tivera tempo de adequar-se ao meio, uma vez que para eles a mudança ambiental fora fatal. Tal explanação teórica veio a ser confirmada repetidas vezes, não mais por experimentos fictícios, mas por prova testemunhal.

Por volta do ano 10.300 D.C., século CIV, tivemos o segundo salto evolutivo. Bebês começaram a nascer sem as unhas. A princípio não percebemos a utilidade de tal ausência e nem compreendemos o porque desta mutação específica, porém, usando o raciocínio do pai Darwin, chegamos a conclusão de que as unhas simplesmente não eram mais importantes em nossos corpos, tal como um apêndice que, deixando de ser usado, atrofia. Nenhuma de nossas atividades rotineiras envolvia a utilização das unhas há séculos e com a ausência de ossos pelos, já que estávamos completamente desprovidos de pelos, sua utilidade reduzira-se ainda mais, pois muito raramente nos coçávamos; diferentemente dos hominídeos peludos, nossos primitivos ancestrais na escala evolutiva, que não só coçavam-se assiduamente como usavam as unhas para matar os insetos parasitas que infestavam suas pelagens. Somente nossos olhos ainda possuíam uma camada espessa de cílios, mas para coçá-los ou massageá-los, de modo algum usávamos as unhas. Nesse caso, a evolução deu-se por desuso de um dado apêndice: desaparecimento das unhas das mãos e dos pés. Da mesma forma observada anteriormente, os bebês Digitais (Homo Sapiens Digitalis), sem unhas, demonstraram ser superiores em tarefas de alto nível. Uma sensibilidade aguçada nas pontas dos dedos lhes assegurava um toque extremamente habilidoso, mas mais do que isso, eram capazes de sentir sem tocar de fato.

E, finalmente, o último salto evolutivo, por nós documentado, deu-se no ano 18.714 D.C. Surgiram os bebês precoces. Nasciam e em poucos minutos punham-se de pé, firmando-se sobre as perninhas rijas e adequadamente desenvolvidas. Mais alguns minutos e seguiam aos pais andando e em pouco mais de duas horas eram capazes de correr com desenvoltura. De alguma forma o processo de maturação física e cerebral havia sido incrivelmente acelerado. Não havia aumento de capacidade cognitiva, propriamente, mas um desenvolvimento maturacional veloz que possibilitava aquisição precoce de habilidades. Com um mês de idade falavam as primeiras palavras, como “mamãe”, “papai”, “leite”. Aos três meses já diziam frases simples e aos seis meses falavam com o vocabulário típico de uma criança de três anos de idade. Ficamos encantados. Os bebês eram maravilhosos, nos sentíamos abençoados. De uma vitalidade e de uma precocidade nunca vista, os apelidamos de bebês Evol (derivativo de Homo Sapiens Evolution). Aos nove meses de idade, brincavam ativamente nas Ali (Áreas de Lazer Infantil) e desenvolviam francamente a linguagem. Não é preciso dizer que tal fenômeno foi considerado o mais relevante de todos e o mais festejado pela humanidade. Contudo, é preciso informar que as crianças Evol, ao atingirem a idade adulta, eram adultos iguais aos outros adultos, exceto pelo fato de que, com a infância reduzida e o acelerado desenvolvimento físico, chegavam à forma adulta aos dez ou onze anos de idade. Era como se ganhassem mais tempo para serem adultos jovens. Essa vantagem significativa, cerca de dez anos à frente de uma criança digitalis, os tornava, com relativa facilidade, os mestres, cientistas e professores de nossa sociedade. Mas isso não vencia a eventual genialidade de algum adulto tardio, como passaram a ser chamados os filhos da geração digitalis, de amadurecimento lento.
 
 

Dados comparativos

Desenvolvimento dos Digitalis X Desenvolvimento dos Evol

A) Digitalis (I.c. Idade cronológica)
0  1  2  3  4  5  6  7  8  9  10 anos => puberdade Digitalis

B) Evol (I.m. Idade maturacional)
3  4  5  6  8  10 12 14 16 18  20 anos => adulto Evol ou adolescência final Evol
 

Verificando os dados, observa-se que a criança Digitalis apresenta o desenvolvimento tradicional, tido como normal, conforme demonstrado na linha do tempo A, que vai do zero aos dez anos de idade Ic. Na linha do tempo B é muito diferente, é como se o bebê nascesse com três anos de idade e realmente, do ponto de vista do desenvolvimento maturacional, o bebê Evol nasce com três anos de idade. Comparando a evolução: No ponto 0 (zero ano), o bebê digitalis nasce, sendo que mal coordena mínimos movimentos; mal enxerga; e não fala. Contudo, o bebê Evol nasce no ponto 3 (equivalente a três anos), sai do parto já comcoordenação motora bastante adiantada, se erguendo sozinho e caminhando sem auxílio; enxerga com perfeição e logo ensaia as primeiras palavras. A diferença é fantástica! A seguir, enquanto o bebê digitalis ensaia os primeiros passos no ponto 1 (um ano), o bebê Evol já está no ponto 4 (equivalente a quatro anos), correndo; falando fluentemente, embora com o vocabulário reduzido e ainda cometendo erros típicos da tenra idade; ganhando espantosa desenvoltura! Ao fim dos dez anos cronológicos, a criança Digitalis chega à puberdade e o jovem Evol chega à adultez, com o corpo e a mente plenamente desenvolvidos. Em termos percentuais, no primeiro ano de vida a criança Evol desenvolve habilidades cerca de 300% a 400% mais rápido que uma criança Digitalis. Esse percentual varia um pouco de criança para criança, uma vez que algumas crianças Digitalis, excepcionalmente, apresentam altas habilidades, assim como algumas crianças Evol apresentam um desenvolvimento um pouco mais lento e, muito raramente, mais rápido ainda – esses são chamados de EvolSP (Evol Super Precoce). Depois do primeiro ano de vida essa diferença no ganho de habilidades diminui para uma taxa de cerca de 200%, o que ainda representa uma enorme vantagem para os infantes Evol; vantagem que se mantém até a adultez. No campo cognitivo, é praticamente impossível um Digitalis se igualar a um Evol. Talvez eu seja o único a realizar esse feito.
 
 
 

Agora estamos no século CC, ano 19.980, avançamos muito tecnológica e cientificamente, em parte graças à geração Evolution, e justamente quando acreditávamos desfrutar nosso apogeu enquanto civilização, eis que outro imenso desafio surge. Estaremos aqui para continuar nossa caminhada?
 

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