VIA ZAMBI -  Marta Rolim

Capítulo  Quatro

O Encontro

Alcancei a plataforma de observação ao meio-dia e aproveitei para almoçar no famoso restaurante da torre, que se erguia acima da floresta. As três pilastras da plataforma haviam sido cuidadosamente projetadas para constituir abrigo para algumas espécies ameaçadas, simulando uma enorme rocha, cheia de úteis saliências, bem como cavernas e pequenas tocas. Assim, nos andares inferiores das pilastras, havia uma gama de cavernas de todos os tipos e tamanhos, além de fontes de água fresca. Nos andares mais altos, estavam as saliências e pequenas tocas. Através do piso transparente da plataforma podia se ver, logo abaixo, inúmeras belas aves, ocupadas em lidar com seus ninhos e filhotes, abrigados nas boas pilastras.

Como entrada, pedi ao garçom um acarajé e depois uma porção de feijoada light, com ingredientes de porcos geneticamente modificados. Ainda assim, comi pouco, o que contribuiu para meu bem-estar geral. Depois do almoço e do cafezinho costumeiro, fui observar a floresta na ampla janela do observatório. Lá fora a temperatura girava em torno de 43° graus Celsius, graças ao Oásis verde, mas no interior envidraçado da plataforma vigorava uma agradável temperatura de 23° graus. A floresta se estendia esplêndida, mas sempre sentia uma certa ansiedade diante daquele mar verde, aparentemente infinito. Eu sempre procurava, quase instintivamente, sinais de deterioração na mata, temendo o aparecimento de algum terrível ponto de desertificação e naquele dia, fatídico dia, vi algo que me deixou verdadeiramente preocupado. Bem na linha do horizonte, de modo quase imperceptível para um observador menos preparado, uma finíssima faixa de luz branca emergia. Se havia uma cor da morte em nossos dias, essa cor era o branco: o branco das areias do deserto.

Qual dedicado cientista, eu estava a par do histórico processo de desertificação mundial e agora, o que nos impedia de uma falência, eram os focos de vida espalhados por alguns lugares do planeta, que denominávamos, acertadamente, de Oásis. Era nos subsolo desses Oásis que habitávamos, consumindo água e aproveitando ao máximo quaisquer recursos naturais. Nossas plantações de cereais e de vegetais vicejavam nos laboratórios, alimentadas por uma mistura bioquímica. Nossa proteína de origem animal, igualmente, provinha dos laboratórios, fruto de manipulações genéticas e de animais modificados. Mas, apesar dessas técnicas avançadas para obter alimento e sobreviver, eram os Oásis que resistiam a uma devastação climática completa do planeta e mantinham um ciclo mínimo da água, provocando chuvas e a manutenção de pequenos nichos de vida natural. Então, quando vi a linha branca no horizonte, pensei estar vendo o alvorecer da morte.

Contudo, afastei o olhar da paisagem e olhei ao meu redor. As pessoas continuavam sorrindo e mostrando aos seus filhos, através da vidraça, o que era a vida fora das cidades subterrâneas. Crianças corriam ao longo da ampla janela do observatório, alegres, cheias de vitalidade em suas brincadeiras. As aves coloridas voavam ao redor da torre e pousavam em seus ninhos para alimentar seus filhotes. Sim, a vida continuava rica e bela. Concluí que devia estar enxergando demais. Não era a primeira vez que me flagrava com pensamentos sinistros e pessimistas. Talvez minha depressão estivesse voltando.
 
 

Acordei na manhã seguinte mais animado. Havia conversado com o Terapeuta ao chegar em casa e aliviado minhas preocupações. Sem dúvida, Zaôque, o terapeuta virtual, era meu melhor amigo. Podia contar com ele a qualquer hora, estava sempre disponível, bastava acessar a Rede e pronto! Confiara a ele meus receios quanto ao novo emprego junto aos Evols e também meus temores em relação ao alvorecer da morte. Zaôque interpretou adequadamente. Disse que eu estava passando por muitas mudanças, que implicavam novos desafios, e que essas mudanças soavam ameaçadoras, envolvendo, de alguma forma, a morte de certos aspectos infantis de meu ego e que, ambiguamente, tais mudanças também soavam como uma vida nova, como um alvorecer. Perfeito! Senti-me mais tranqüilo e confiante.

Às dez horas deveria me apresentar para a primeira reunião da equipe multidisciplinar de Estudos e exatamente as oito e quarenta e cinco horas entrei no saguão do prédio da COBRAPA. Haviam me avisado para chegar uma hora mais cedo, embora eu não soubesse exatamente o motivo. Eu estava trajando meu melhor traje inteiriço, traje que poderia favorecer uma boa primeira impressão a meu respeito, mas que não era excessivamente formal. Estava nervoso, como seria de esperar, mas procurava manter meu equilíbrio emocional, me mostrando afável e discreto. Não era momento de falar, mas de ouvir, pensei. Na recepção, fui muito respeitosamente submetido a um triplo teste de identidade, todos embasados em elementos orgânicos idiossincráticos. Depois fui orientado a descer ao décimo sétimo andar, onde aconteceria a reunião, sala setecentos e um. Fiquei impressionado ao descobrir que o acesso a esse andar não era feito pela GaG normal (Gravidade-anti-Gravidade) e sim por uma via GaG especial, mais veloz e exclusiva para o décimo sétimo! Comecei a perceber em que tipo de trabalho estava me metendo, algo diferente, sem dúvida. Um misto de orgulho e excitação agitou meu íntimo. Não estava acostumado a regalias e de repente eu simplesmente fazia parte de uma equipe privilegiada.

Tomei a GaG especial e desci ao décimo sétimo. O andar era luxuoso. O tipo de luxo que um cientista aprecia. Salas de conferência com todo tipo de suporte moderno; laboratórios de ponta; restaurante gratuito aberto vinte e quatro horas; holoteca super atualizada, com obras de referência nas mais diversas mídias; comunicação disponível permanentemente com outras Comunidades científicas; equipe de apoio pronta para fornecer o que quer que fosse necessário, inclusive solicitação de melhores condições técnicas – o que me parecia um exagero! – bem como solicitação de materiais específicos e até acréscimo de verba para os projetos aprovados. Fantástico! Minhas mãos tremiam, embora eu disfarçasse a emoção. Conheci de forma rápida as dependências, tendo por cicerone um digitalis da equipe de apoio, de nome Topomá. Perguntei a ele se havia algum Evol trabalhando na equipe de apoio. Pergunta tola, a resposta era não. Quando achei que já havia visto tudo, ainda que de forma apenas breve, Topomá parou diante de uma porta, e fazendo um pouco de suspense, a abriu com o uso de uma senha mental. Uma sala interessante se descortinou. Havia um laboratório menor, um escritório-suporte adjacente e uma pequena Holoteca, todos os ambientes juntos no mesmo recinto, mas decorado de tal forma que a sala era muitíssimo agradável, enchendo meus olhos de admiração e cobiça. A sala continha praticamente tudo o que vira no andar inteiro, mas em pequena escala.

—    Esta é a sua sala de trabalho – anunciou Topomá, exibindo um sorriso cordial.

Deus do céu - extasiei-me de felicidade - uma sala dessas só para mim! Era muito mais do que pudera sonhar! Então Topomá passou a me explicar a utilização de alguns recursos especiais e às nove e cinqüenta e cinco horas eu fechava a porta de minha sala com minha própria senha mental. Estava maravilhado, simplesmente maravilhado. Dirigi-me a sala setecentos e um, voltando a sentir as mãos trêmulas e uma camada fina de suor frio escorrer entre as palmas nervosas. Topomá já havia se retirado e finalmente eu enfrentaria o momento ansiado e temido.

A sala de reuniões estava movimentada. Os Evols conversavam animadamente, compondo um grupo bastante heterogêneo, que não deixava de me assombrar pela disparidade nos tamanhos. Havia os “adultos”, conforme eu chamava aos de físico desenvolvido e havia as “crianças” e os “púberes”, conforme seus graus de desenvolvimento aparente. Lembrei-me do encontro com Babalô e do quando havia me enganado ao julgá-lo, mesmo sendo conhecedor de sua precocidade. Para conhecer um Evol havia muito mais envolvido, era preciso diferençar os Evols precoces dos Super precoces, e ainda considerar que havia os Evols com altas habilidades. Junte-se esses fatores todos e há de se notar uma série relevante de variáveis na composição das características físicas e psicológicas de um Evol, tornando difícil saber em que etapa do desenvolvimento físico-emocional-cognitivo um Evol realmente se encontrava. Assim, a criança diante de meus olhos, poderia ser emocionalmente mais madura que o jovem alto e forte ao seu lado.

Babalô irrompeu no grupo e veio me cumprimentar com um sorriso. Logo nos sentávamos em círculo para iniciar a reunião. Éramos onze. Minha curiosidade estava mais aguçada do que nunca. Era fascinante estar conhecendo aquelas pessoas, realmente um privilégio.

—    Bem, está na hora, vamos começar a trabalhar! – disse Babalô em tom amigável.

O grupo parou de conversar e todos voltaram a atenção para o pequeno Babalô, que se balançava levemente na cadeira flutuante.

—    Como a maioria de vocês sabem, sou bastante objetivo e prático e hoje precisarei ser mais objetivo e prático do que de costume. Assuntos urgentes pedem nossa atenção. Apresento-lhes os mais novos integrantes da Equipe de Estudos e Pesquisa da COBRAPA, o senhor Zambi e a senhora Iansanã, ambos digitalis. Sejam muito bem-vindos!

Ouve um curto silêncio após a referência aos nossos nomes, como se Babalô esperasse algum comentário a respeito, o que me pareceu constrangedor, mais provavelmente devido aos meus próprios sentimentos de inadequação em relação ao grupo do que por outro motivo. Iansanã era uma bonita jovem, talvez da minha idade, com grandes olhos amendoados e uma boca do feitio de um coração carnudo. Uma digitalis! Uma agradabilíssima surpresa.

—    Ata de reunião sigilosa; sistema de conferência secreta; acesso negado a partir de agora. – ordenou Babalô ao Gerenciador da sala de reuniões, o suporte automático que administrava os recursos Holo.

A porta da sala se fechou com um baque surdo, enquanto ouvíamos uma seqüência de notas musicais, que me pareceu iniciar com um Dó-si-sol-lá-mi-ré.

—    Todos os sistemas de segurança online – respondeu o Gerenciador com uma voz feminina.

—    Senhores, como é do conhecimento de alguns de vocês, temos um desafio pela frente. Como puderam notar pelo nível de segurança exigido, tudo que diz respeito ao que aqui será abordado é absolutamente secreto. Se houver alguém, aqui nesta sala, que não se encontre em condições de trabalhar com assuntos sigilosos e de extrema importância, por favor, se sinta à vontade para se retirar agora. É perfeitamente compreensível que alguns de vocês não possam assumir tamanha responsabilidade. Os que desejarem deixar esta sala serão transferidos para outra equipe da COBRAPA, sem maiores conseqüências. Contudo, devo informar que cada um de vocês aqui presente foi cuidadosamente selecionado para integrar esta equipe, porque acreditamos que exatamente vocês podem fazer a diferença e ajudar nessa missão.

Ali estava o pequeno Babalô, falando como um representante da Força Secreta. Alguma coisa muito estranha estava acontecendo. Um pressentimento horrível atravessou minha mente: e se eu estivesse caindo numa ratoeira? Se estivessem me atraindo – o trouxa do digitalis - para ser o bode expiatório de alguma encrenca das grandes? Afinal, eu era novo ali e queriam que me comprometesse com uma missão totalmente desconhecida.

—    Professor Babalô, sem dúvida a COBRAPA, é uma instituição altamente conceituada, mas, se me permite perguntar, como posso assumir um compromisso de tamanha responsabilidade se não disponho das mínimas informações sobre o que está envolvido na missão? - me vi falando diante do grupo, de forma um tanto vivaz.

Babalô alçou as sobrancelhas, como se desafiado.

—    Alguém gostaria de ajudar o nobre colega? – respondeu o pequeno Mestre, parecendo irritado.

—    Qual é o seu nome mesmo? – indagou-me Ogam, o braço direito de Babalô.

—    Zambi – repliquei de pronto.

-    Zambi, Zambi, a natureza de nossa missão é SECRETA e por isso não pode ser revelada. Entretanto, podemos dizer que nenhuma atividade ilegal está envolvida – falou Ogam, em tom jocoso.
 

Risadinhas ecoaram na sala. Afundei um pouco na cadeira e engoli em seco. A humilhação começara, pensei.

—    O questionamento do colega é pertinente, não basta sabermos que não há atividade ilegal envolvida. Poderia nos informar se experiências com seres humanos estão envolvidas? – irrompeu Iansanã, com firme delicadeza.

Um quadro de polarização se formava, ainda que sutil. Estaria a hostilidade entre Evols e digitalis começando a se configurar? Intimamente lamentei. Embora apreciasse a intervenção de Iansanã, que corajosamente me apoiava, não desejava que minhas colocações fossem entendidas como provocativas. Eu simplesmente tinha justo receio de me envolver com algo do qual não tinha informação alguma. Em todo caso, a receptividade as minhas indagações não havia sido muito boa e isso talvez fosse um indício do que viria pela frente.

— Sinto muito, senhores, se não podemos esclarecer mais sobre o assunto. É bastante compreensível que queiram se precaver de possíveis dificuldades buscando mais informações. O que posso lhes dizer com franqueza é que se trata de uma missão que exigira o empenho dos maiores intelectos do país: vocês! Agora chegou a hora da decisão, por favor, escolham se pretendem assumir conosco esse compromisso, essa missão, ou se preferem sair.

Nesse instante, se levantaram dois colegas, um menino, aparentando oito anos, e um adulto. Para surpresa de todos, pediram licença para se retirar.

—    Permitir saída em dez segundos – ordenou Babalô ao Gerenciador.

Os dois partiram sem hesitação. De repente nos entreolhamos, esperando alguém mais levantar. Triunfei com a saída dos dois colegas. Estava evidente agora que o compromisso às escuras não era uma piada, mas uma preocupação que mexia com todos nós, ou pelos menos com todos que tinham alguma maturidade e responsabilidade. Talvez eu devesse ter saído também. Afinal, valeria a pena arriscar o próprio pescoço em prol de uma causa complicada e que eu nem sabia se consideraria válida? Ficar naquele grupo significava participar de uma verdadeira loteria, talvez de uma roleta russa. Nós, os nove membros restantes, ficamos.

—    Alguém mais deseja sair? – insistiu Babalô, assumindo um ar cansado.

Todos permanecemos em silêncio.

—    Como está a segurança, Gerenciador? – perguntou Babalô.

—    Sistema de segurança restabelecido.

—    Ótimo! Bem, somos nove agora! – exclamou o pequeno Mestre – e vou começar a expor o nosso desafio! Apague a luz e Holográfico online!

O Gerenciador disponibilizou um gráfico tridimensional no meio do círculo das cadeiras flutuantes. Era um holográfico comparativo de temperaturas. As temperaturas crescentes eram exibidas paralelamente a uma coletânea de imagens em seqüência, dos vários Oásis da terra, que mostravam os efeitos adversos sobre a vegetação nos últimos meses, especialmente sobre a vegetação periférica às matas, e sobre os mananciais de água doce. O pesadelo estava acontecendo! Babalô mostrou justamente a faixa desértica branca que vinha avançando sobre os pontos extremos do Oásis Amazonas! Exatamente o que eu observara! Um arrepio percorreu minha espinha.

—    Senhores, a situação é extremamente grave! – falou Babalô – dentro de poucos meses os Oásis da terra terão se transformado em areia e os grandes depósitos de água evaporarão.

—    Podemos deter a evaporação! – afirmou Zimbaue, um garoto que aparentava dez anos I.c.

—    Não, não podemos. Há uma complicação adicional –  Babalô indicou novo holográfico.

As imagens se sucediam mostrando a fragmentação da atmosfera terrestre, fenômeno que na atualidade assumia uma velocidade assustadora. Ogam tomou a palavra e explicou que a origem do problema estava numa alteração do campo gravitacional e eletromagnético da Terra.

—    É este campo que segura a atmosfera e, diga-se de passagem, o ar que respiramos! Sem este campo eletrogravitacional a atmosfera se esvai; sem a atmosfera, o sol nos atinge de forma nociva, como de fato tem nos atingido cada vez mais. Também, sem a atmosfera, a água evapora e simplesmente não volta, pois não há formação de nuvens, não há densidade para segurar e devolver a água, em forma de chuva ou orvalho. Vejam que se trata de uma sucessão de dificuldades extremas – explicou Ogam, com jeito didático.

—    Não podemos equilibrar os campos eletromagnético e gravitacional? – indagou Iansanã, aflita.

—    Infelizmente nem todo o nosso conhecimento acumulado nos permite lidar com forças tão poderosas – respondeu Hóris, o mais velho do grupo, beirando os quarenta anos de idade.

—    Senhores, este é o nosso desafio! Precisamos achar uma solução para a continuidade de nossa existência – anunciou Babalô, com um engasgo de emoção – Precisamos manter em sigilo a situação que a Terra enfrenta para não colocarmos a população em pânico, mas isso eles acabarão sabendo, sem muita demora. Mas, o que realmente precisamos manter em sigilo diz respeito às decisões que tomarmos.

—    Fale mais sobre isso... – pediu Exá, um adolescente de corpo tatuado.

—    Pois bem! Talvez não encontremos uma solução para a Terra, mas podemos encontrar uma solução parcial... uma solução para alguns de nós – continuou Babalô

—    O que o senhor tem em mente? – questionei

—    Nada, meu jovem, nada! Apenas quis dizer que seria bastante bom se pudéssemos sanar o problema do planeta, mas talvez só consigamos, e com muito esforço, salvar alguns de nós. Entende isso?

—    Não, não entendo! – retruquei rispidamente – por acaso essa equipe foi formada para que achemos um meio de salvar os mais inteligentes do planeta? Isso é ridículo!

—    Senhor Zambi, acho melhor o senhor se conter, não precisamos de mais histeria aqui! – intercedeu Hóris, em tom severo.

—    Ok! Temos muito o que conversar ainda! – falei em tom mais baixo, mas ainda ameaçador.

—    Por hoje, peço apenas que avaliem o problema de todos os ângulos que puderem imaginar. Os dados de que dispomos, bem como a atualização diária deles, estão disponíveis nas holotecas de suas salas particulares. Não apenas nós, aqui presentes, estamos recebendo essa missão crucial em mãos, mas equipes em todos os Oásis estão trabalhando na tentativa de resolver o problema. As mentes mais brilhantes do planeta estão sendo recrutadas. Temos esperança de que alguém possa fazer um milagre. Se o que estamos fazendo aqui vier a público, não teremos condições mais de pensar, pois o desespero e a pressão serão enormes. As pessoas reivindicarão violentamente uma salvação que talvez não sejamos capazes de dar. ACOBRAPA poderá ser invadida, atacada e destruída. É com esse tipo de desespero que estaremos lidando – explanou o pequeno Mestre.

—    O povo, as pessoas, não tem o direito de saber o que lhes acontecerá e o que estamos fazendo aqui? – questionei mais uma vez a Babalô, mas cuidando para que minha emoção estivesse mais controlada.

Fez-se um silêncio breve na sala.

—    Sim, teoricamente tem, mas você poderá consolá-las?

Era uma questão ética que me angustiava, pois envolvia meus irmãos digitalis. Eram os digitalis os grandemente afetados pela ignorância dos fatos. Mas, concluí que, pelo menos no momento atual, seria uma grande irresponsabilidade minha fazer qualquer divulgação de que a Terra estava acabando e que projetos de salvamento para a elite estavam em andamento. Claro, ninguém havia mencionado a expressão “salvamento para as elites”, mas me parecia evidente que os Evols – que constituíam a elite rica e poderosa - se concederiam privilégios no momento de escolher os que se salvariam.

Fiquei mudo diante de Babalô, mas não convencido por sua cômoda lógica. Contudo, a pergunta que ele fizera ainda ecoava em meus pensamentos: "Você poderá consolá-las, Zambi? Poderá?"
 
 

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