Capítulo 1
De rosto alegre, Cidinha perguntava-se que nome dar ao filho, assunto exaustivamente discutido durante a gravidez e que lhe parecera já resolvido. Rodrigo, se for menino, dissera ela durante nove meses. Sempre desejara dar a um filho o nome de Rodrigo. Fôra seu primeiro amor, colega de infância, músico talentoso, maestro, verdadeiro deus grego: alto, loiro, olhos verdes. Possivelmente nem desconfiara da idolatria que ela nutrira por ele. Casara-se com a colega Estela, tão tímida e silenciosa quanto ela, porém mais persistente. Ele morrera cedo, em um acidente doméstico, tragédia que a mergulhara em prantos por vários dias, chorara mais que a viúva - e bem poderia ter sido ela a viúva.
Os dedos brincando carinhosamente com o queixo do menino, Cidinha reconsiderava. Dar ao filho o nome de Rodrigo parecia-lhe agora uma traição ao marido.
Este não queria dar o próprio nome ao filho. Em primeiro lugar porque Otacílio não era exatamente um nome bonito, e, depois, o menino acabava virando um júnior qualquer da vida. Júnior não era nome, não era nada, Júnior era qualquer um, amorfo, impessoal...
A sogra sugerira Fernando, por ser devota de São Francisco de Assis e assim Cidinha ficou sabendo que o nome de São Francisco era Fernando.
O marido propusera buscarem um nome na Bíblia.
— Deus nos livre! Eu não quero meu filho com o nome de Absalão ou Aberides ou Jeziel ou qualquer treco esquisito desses! — reagira Cidinha.
— Amor, há nomes tão bonitos na Bíblia: Daniel, Rafael...
Ela insistira em Rodrigo. Que o marido escolhesse o nome de nascesse menina! Desde que não fosse nome de pobre, como o dela, Maria Aparecida. O irmão, estudante de medicina, para brincar com ela, costumava dizer que, para chamar uma funcionária do hospital, bastava gritar “Cida!” e logo apareciam meia dúzia de auxiliares.
Cidinha agora repensava a questão do nome. O marido sugerira Rafael, nome sonoro, nome de um pintor talentoso.
— Boa noite!
— Sou a Dra. Simone. Vou examinar seu filho e deixar assinada a papeleta de alta no berçário. É um menino muito bonito. Parabéns!
Este foi o primeiro de uma série de audaciosos raptos de bebês
nas maternidades.
* * * * *
O delegado Fontes insistiu com o porteiro:
— Como sabe com certeza ter visto a Dra. Simone entrar? Ela falou com você?
— Não exatamente.
— Como assim, não exatamente?
— Eu vi o Dr. Caio entrar e uma mulher que parecia ser a Dra. Simone entrar logo atrás dele. É muito comum os dois chegarem juntos para os partos. A mulher era da altura da Dra. Simone e parecia ser ela.
O mesmo disse a recepcionista:
— A Dra. Simone entrou e dirigiu-se ao berçario por aquela porta ali. Eu a vi de costas ao entrar e de perfil ao sair. O corredor fica na penumbra durante a noite, as luzes assim fracas, e ela carregava uma grande bolsa, o que também não achei estranho no momento porque os médicos entram e saem com malas e bolsas grandes quando estão de plantão e as escalas de plantão não são de minha conta, naturalmente.
— As escalas de plantão são da conta de quem? — quis saber o delegado.
— Da enfermeira-chefe, naturalmente.
A enfermeira-chefe não vira a Dra. Simone e a Dra. Simone não estava de plantão naquela noite.
Quando a Dra. Simone chegou ao hospital, o delegado Fontes pediu-lhe que fosse ao quarto de Cidinha. A moça olhou para ela e gritou.
— É ela mesma, então? — perguntou o delegado.
— Oh, não, mas... ah, doutora, é o seu cabelo... a mulher que levou meu filho tinha assim a sua altura, cabelos pretos e usava este mesmo corte repicado e este não é um corte comum, não é?
Fôra, pois, pelo corte de cabelos — provavelmente uma peruca — e pelo uniforme, que a raptora conseguira ficar por assim dizer, invisível, e passar despercebida pelos funcionários do hospital.