Capítulo 4
A Máfia Não Manda Recado
Paraná acordou sobressaltada com o barulho repentino à sua janela.
Primeiro ouviu uma pancada na lataria de um carro e depois uma queimada de pneus,
como se o motorista tivesse atropelado primeiro e pisado no freio depois. Gritos,
palavrões e agora sirene de polícia. A coisa era mais séria
do que pensava.
Levantou-se sonolenta, vestiu uma camiseta e foi até a janela dar uma
olhada. Morava no segundo andar e muitas vezes ouvia as pessoas contando segredos
na rua. E os mexericos, então! Parecia que faziam a propósito,
para que ela ficasse a par das fofocas da vizinhança. Dizem que
na vertical o som se propaga mais rápido e mais forte.
Havia uma verdadeira multidão em volta de um corpo sobre a calçada.
Uma alma caridosa punha um lençol sobre o infeliz desencarnado e não
dava para saber quem era. Alguns policiais afastavam o povo e colocavam um cordão
de isolamento. Guardas de trânsito apareceram para orientar o tráfego,
cujo congestionamento ameaçava atingir outras ruas.
Paraná vestiu um short, penteou os cabelos com os dedos, calçou
uma sandália e desceu para engrossar a fila de curiosos. Vai ver que
era algum conhecido. Ou conhecida. Que infelicidade, ser atropelado assim, mal
o dia começou a clarear. E morrer feito cão vagabundo, na porta
dos outros e atrapalhando o trânsito. Seria o motorista da Kombi o culpado
ou o morto era um daqueles malucos que atravessam na frente dos carros, desafiando
a sorte? Se foi, era bem merecido ter morrido. Uma vez ela quase perde o controle
do seu carro por causa de um suicida em potencial, um irresponsável que
nem se deu ao trabalho de olhar a rua antes de atravessar a faixa.
Por sorte ela dirigia devagar e deu tempo de se desviar do maluco.
No saguão estavam o síndico e o porteiro conversando com um policial.
Parecia que eles tinham visto tudo, pois o policial gravava o que eles diziam.
Aguardaria o término da inquirição para interceptar o porteiro
ou o síndico; ou iria saber diretamente do povo da rua?
Escolheu a primeira opção e se sentou na cadeira do porteiro,
aguardando que o mesmo se livrasse da polícia o quanto antes.
Quando o policial acabou o interrogatório com o porteiro, entrou no elevador,
acompanhado do síndico e de outros policiais, inclusive um fotógrafo.
Então o atropelado era alguém do prédio? - pensou surpresa.
Seria algum conhecido?
O porteiro chegou e ela se levantou, deixando o lugar livre para que o funcionário
do Condomínio assumisse sua função, agora investido de
uma importância maior, a de testemunha ocular de um acidente de trânsito.
Inteirou-se dos fatos, para ela, inéditos naquele edifício. Não,
não se lembrava do vizinho do vigésimo quinto andar. Não
era ninguém de suas relações nem fazia idéia de
quem fosse. Só um idiota se daria tamanha importância para dar
cabo da vida logo cedo da manhã, enchendo a rua de curiosos e perturbando
o sossego dos que continuavam vivos, além de causar transtorno aos motoristas
e pedestres. Era demais! Esperasse ao menos o sol nascer. Mas morrer assim,
por conta própria, no raiar do dia, só um idiota mesmo! Estava
bem morrido! - disse Paraná ao porteiro, indignada quando soube que fora
suicídio e não atropelamento. O cara havia se jogado do vigésimo
quinto andar. Ao menos, por alguns segundos, deve ter sentido a sensação
de liberdade dos pássaros. Que maravilha! - concluiu sua conversa com
o porteiro e se retirou para seu apartamento. Ver sangue pela manhã não
era uma boa pedida para quem estava de estômago vazio. Não tinha
nem o que vomitar.
Quando entrou no elevador, não resistiu à tentação
e pressionou o botão 25. Não era justo o cara morrer à
sua janela, perturbar o seu sono e ela ficar indiferente. Já que não
queria ver o corpo dele, ao menos se satisfaria em saber de sua morada. Será
que era casado, tinha filhos ou algum outro parente para prantear em seu túmulo?
Havia uma multidão de curiosos no vigésimo quinto andar. O síndico
confabulava com um policial, querendo dar uma carteira da de síndico
e entrar no apartamento do inditoso fatal, mas o policial argumentava que ele
poderia estragar as investigações. "E se o síndico
tivesse alguma culpa no cartório e quisesse se certificar de que não
havia deixado vestígios de sua presença no apartamento, hein?"
- perguntou irônico o policial e o síndico se exaltou, ameaçou
partir para a briga, porém foi contido por alguns condôminos que
o arrastaram para bem longe, para não ser preso por ameaça e desrespeito
à autoridade.
Paraná chegou no momento em que o síndico estava sendo levado
à força por moradores. Aproximou-se de alguns vizinhos e puxou
conversa a respeito do morto, porém o homem era uma incógnita.
Saía pela manhã, bem cedo, retornando à noite, se trancando
em casa e sem receber ninguém para um dedo de prosa. Especulava-se que
ele era um foragido da Justiça, ou então cumpria alguma pena alternativa,
sendo proibido de sair à noite e nos fins de semana. Alguns diziam também
que ele era procurado pela Máfia e por isso vivia trancado, sem que ninguém
soubesse o seu nome verdadeiro. Afora as contas de energia, telefone, gás
e de condomínio, não recebia nenhum outro tipo de correspondência.
Paraná espichou o pescoço e viu um policial lendo uma agenda e
ligando para alguém. Será que descobriram alguma coisa de interessante?
O policial desligou o celular e passou a folhear a agenda, parando em algumas
páginas para leitura. "Era uma agenda ou um diário?"
- perguntou a um policial que fazia barreira na porta para ninguém entrar.
Era o mesmo policial que discutiu com o síndico. Um diário, respondeu
o policial.
Sabendo que daquele mato não saía coelho, Paraná voltou
para o seu apartamento. Foi direto para o quarto, ligou o computador e aguardou
a inicialização. Conectou-se à internet, clicou em seu
grupo de amigos literários e aguardou abrir as mensagens. Achou estranho
tanto apelo de Silveirinha procurando sua Formiguinha logo cedo da manhã
e respondeu um "Bom-dia, Silveirinha!" e aguardou resposta, torcendo
para que o mesmo ainda estivesse conectado. Enquanto esperava, notou uma mensagem
de Formiguinha para Silveirinha. Abriu e leu a mensagem de Formiguinha: "Eu
lhe dei chifres e não asas, seu idiota!" Ficou sem entender a mensagem,
mas devia ser mais uma das eternas discussões de sua amiga com o namorado
virtual e ignorou a frase. Clicou em responder, endereçou a mensagem
aos dois, e escreveu eufórica: "Gente, imagina que hoje um traficante
foi empurrado do vigésimo quinto andar do meu prédio porque não
quis pagar comissão a Raimundinho do Pó, o mafioso do morro aqui
perto! O Condomínio está a maior loucura, com policiais em tudo
o que é canto, vasculhando todos os apartamentos em busca de outros cúmplices.
O síndico também está envolvido pois queria invadir o apartamento
do bandido e apagar as provas. Quando estive lá, ele estava sendo levado
por policiais disfarçados. Acho que eram do FBI. Que loucura! Isso vai
dar um bom conto pra quinzena. Beijos e tchau! Paraná."