Legião - Sergio Pires Jr.

Capítulo 3

             Chegamos ao prédio onde Rubens morava mais ou menos às 02hs. da manhã.
             A rua que dava para a entrada do prédio nunca foi muito movimentada e àquela hora não tinha uma viva alma.
             José, o porteiro, fazia palavras cruzadas e nos observou por cima de seus óculos, levantando a mão direita. Acenamos de volta e entramos no elevador. Aquele homem era o porteiro dali a mais de dez anos e nunca pegou no nosso pé por causa dos horários que chegávamos.
             O apartamento ficava no primeiro andar. A cozinha era digna do desejo de qualquer dona-de-casa e a sala também era grande. Logo que entramos, sentei-me no sofá maior. À minha frente havia um pequeno corredor, onde ficava o quarto dos pais de Rubens. Atrás de mim, existia outro corredor maior, onde se encontravam outros três quartos.
             Laura sentou-se ao meu lado. Rubens largou o corpo no sofá à minha frente.
             Paulo Fofonho ligou o aparelho de som e um Rock antigo fluiu baixinho através das caixas acústicas, em cima de uma grande estante de mogno, ao lado da TV de 20 polegadas.
             Caio foi até a cozinha e trouxe uma bandeja rasa de prata.
             — Se minha mãe visse isso... — disse Rubens soltando uma gargalhada.
             Mas Caio não respondeu. Estava concentrado, como um terrível garçom de iguarias exóticas.
             Entregou uma seringa pequena, juntamente com uma colher, nas mãos de Rubens. Colocou a bandeja sobre o colo e despejou a cocaína dos envelopes que Rubens havia comprado. Com um cuidado notável e um cartão de crédito, passou a fazer pequenos filetes de pó branco.
             — Quero uma nota nova — disse ele.
             Estendi-lhe uma nota que hoje equivaleria a uns cinqüenta paus e ele a enrolou até ficar um canudo bem fino.
             E todos nós cheiramos, um a um, como num ritual macabro.
             Menos Rubens, que já abastecia a seringa com o líquido esverdeado que fora pó, antes de ser aquecido na colher média.
             — Quero ser o primeiro a experimentar...
             Laura fechou os olhos e deixou a cabeça tombar para trás, até encostar-se no sofá, enquanto eu, já alterado, observava Rubens, completamente entregue ao efeito daquela coisa verde que aplicara na veia.
             Havia algo estranho.
             O cara não parava de esfregar os olhos.
             — Não consigo enxergar direito...
             Ninguém deu muita atenção.
             — Está ardendo!!! – dessa vez gritou forte o suficiente para me deixar assustado.
             De repente, Rubens parou de reclamar do ardor e arregalou os olhos. Havia mais do que simplesmente medo ali...
             —  Caio... — murmurou —... Tem algo em sua cabeça!
             — Aquela coisa verde te deixou muito louco — disse Caio soltando uma gargalhada.
             ... Era terror.
             Seu tom de voz aumentou.
             — Tem algo pulando na sua cabeça, seu imbecil!
             Paulo e Laura também começaram a rir, sob efeito da droga.
             E eu estava apavorado.
             “Estou com mau pressentimento”.
           
Meu coração disparou e eu podia sentir a cabeça pulsar. Já não havia qualquer efeito da droga.
             Sentia apenas medo.
             —  Essas Coisas — continuou gritando — Estão na cabeça de todos vocês! SÃO COMO DEMÔNIOS!!
             Ergueu as mãos como se quisesse se proteger de algo — Afastem-se!!! Afastem-se, cacete!!!
             —  Mas, do que ele está falando? — perguntou Paulo Fofonho ainda rindo.
             — Sei lá! — respondeu Caio, sem ver mais graça em nada — Acho que enlouqueceu...
             Rubens continuou:
             —  Vocês não enxergam?! Não estão vendo?!
             Correu e escondeu-se atrás do sofá. Uma cena patética.
             — Caio... — falei — ... Ele não está bem. Precisamos fazer alguma coisa.
             Paulo e Laura continuavam a rir. Aquilo era irritante.
             Rubens deixou apenas os olhos vitrificados aparecerem por detrás do sofá, como um soldado na trincheira.
             — Essas coisinhas verdes — disse ele — Estão fazendo a festa na cabeça de vocês. Eu posso vê-los enfiando as garras dentro dos seus miolos e... — fez uma pausa, balançando a cabeça negativamente —... Vocês não enxergam.
             — Vamos acabar logo com essa palhaçada — disse Caio levantando-se.
             — NÃO SE APROXIME DE MIM!! MALDITO DESGRAÇADO!! — Gritou ele, enquanto pulava por sobre o sofá e fugia para dentro do quarto de seus pais, trancando a porta.
             — O que será que ele tem? — perguntou Laura que já não estava mais rindo.
             Caio olhou para nós e deu de ombros.
             — Não sei, deve ter sido essa coisa que ele injetou.
             —  Deve estar tendo alucinações — completei.
             Paulo levantou-se.
             —  Perdi até o tesão — disse ele.
             E desligou o aparelho de som.

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