Capítulo 1
Conto 01 – Os Orixás Viajaram em Tumbeiros
Saravá, meu pai, confio em Deus! Saravá é uma saudação nos terreiros de cultos afro-brasileiros, que tem o significado de “salve”. Corruptela da palavra portuguesa “salvar”, cujos escravos tinham dificuldade de pronunciar, e diziam “salavar”. Sob a influência da fonologia banta, passou a se falar “saravá”, para desespero e raiva dos puristas gramaticais, que acham que a nossa Língua tem que ser a mesma que veio nas caravelas de Pedro Álvares Cabral e seus sucessores, não importando a dimensão continental do Brasil nem a origem dos seus povoadores. Saravá!
Apesar de ser Oxalá o criador da humanidade, não é ele o Ser Supremo de Aruanda. Isso compete a Olorum, o deus-Uno, o Criador do Plano Astral e dos orixás, que um dia foram gente influente e poderosa aqui na terra e se tornaram entidades divinizadas quando desencarnaram, servindo de ponte que liga os humanos a Olorum, ou Olodumaré (Olorum para os nagôs; Zambi ou Obatalá para os bantus), com suas paixões e defeitos, cuja origem remota a mais de cinco mil anos.
Aruanda é um dos nomes do plano astral superior, o Paraíso dos católicos, os Campos Elíseos dos gregos. A Roma iorubaiana fica em Ifé, cidade a sudoeste da Nigéria, hoje com uma população de 152 mil habitantes. O Latim de seus cultos se chama Iorubá, que teve sua origem na Nigéria Ocidental e se espalhou pelo mundo nos navios negreiros, sendo que os iorubaianos, trazidos em larga escala para o Brasil, aqui chegando, receberam o nome de nagô e exerceram forte influência social e religiosa sobre outros grupos igualmente escravizados, principalmente na Bahia, com exceção dos malês, negros da África muçulmana, praticantes do Islã.
O sincretismo religioso que se propaga aos quatro ventos como fato consumado entre o catolicismo e a afro-religião, mais propriamente ao Candomblé, não é, de fato, a fusão filosófica das duas religiões em uma só, conforme acepção da palavra. Nem mesmo há uma fusão parcial. Os negros, proibidos de cultuar seus deuses nas senzalas ou nos morros, fingiam homenagear os santos católicos nas suas festas e batuques e assim eram tolerados pelos brancos e deixados em paz pela polícia. Nas festas ditas sincréticas, o que há é um paralelismo dogmático entre os católicos, que cultuam seus santos em suas igrejas ou comunidades, e os seguidores da afro-religião, que reverenciam suas deidades em seus batuques, não havendo nenhuma síntese doutrinária ou junção filosófica entre essas religiões. Cada uma segue o seu rito distinto, sem consagração sacramental nos terreiros, nem toque de atabaques nas eucaristias.
Epa baba! Saravá, meu rei!
Sexta-feira é dia de Oxalá, o criador da humanidade, e os seus filhos devem vestir branco.
Oxalá tem vários nomes, entre eles, Oxalufan, que é Oxalá velho, Oxaguian, quando está guerreando, Orixanlá pra qualquer coisa, e Obatalá, quando assume sua condição de Rei Branco e leva semanas para tomar uma decisão importante, ponderando os prós e os contra, com lenta meticulosidade. No sincretismo baiano, ele é o Senhor do Bonfim, a maior divindade dos baianos, e talvez seja por causa de Obatalá que os conterrâneos do ministro Gilberto Gil levam semanas para morrer de morte súbita. Nos outros cantos do Brasil ele é Jesus Cristo.
Faz parte do seu traje de cerimonial: seu cajado de prata ou de metal prateado, ornado de arandelas sobrepostas, encimado por um pássaro ou coroa, chamado de opaxorô, ou paxorô.