AS LENDAS DE ARUANDA - Ronaldo Torres

Capítulo  2

Conto 02 - O Rei e o Pássaro Comedor de Inhame

Okê Arô!

Okê Oxossi!

No reino de Ifé, no sudoeste da Nigéria, todos os anos se comemorava a festa dos inhames e ninguém podia usufruir a nova colheita enquanto não acabasse a farra. O rei Odudua, nesse dia, fazia questão de desfilar com suas mulheres e ministros, distribuindo simpatia no meio do povo. A festa corria bem, com os ifelenses comendo inhame de manhã, de tarde e de noite, bebendo vinho de palma, porém as feiticeiras Iyá-mi, donas dos terríveis pássaros noturnos, chateadas porque não foram convidadas para a festa, resolveram acabar com o festival inhamal e enviaram para Ifé uma ave gigantesca e aterradora, que pousou na torre do palácio, promovendo a maior tragédia de que se teve notícia na Nigéria. Chamaram o destemido Oxó Togum, o caçador de vinte flechas, para matar o pássaro; errou todas, escapou de ser devorado pelo pássaro, mas foi direto para o calabouço e durante muitos anos viu o sol nascer quadrado. Chamaram então Oxó Togi, o caçador de quarenta flechas, mas não conseguiu acertar o temível pássaro e teve o mesmo destino de Oxó Togum; trouxeram Oxó Todotá, o caçador de cinqüenta flechas, que tremeu nas bases e teve o mesmo fim dos seus colegas caçadores. O rei, desesperado, não viu mais nenhum caçador famoso para chamar. Então o mensageiro da corte se lembrou de Oxó Tocanxoxô, o caçador pobre, que só tinha uma flecha. Rei e súditos riram amarelados, incrédulos. Mas era a última esperança do rei Odudua. Oxó Tocanxoxô desafiou:

— Que me cortem aos pedaços se eu não matar esse comedor de inhame gigante!

Oxó Tocanxoxô era filho único e a sua mãe não queria perdê-lo assim, sem mais nem menos. Se não matasse o pássaro, seria esquartejado. Consultou um feiticeiro famoso, que a aconselhou a fazer uma oferenda, única maneira de seu filho se salvar e se tornar rico. Ela cumpriu fielmente o ritual: em uma encruzilhada, ofereceu uma galinha com o peito aberto às Iyá-mi e gritou “que o peito do pássaro receba esta oferenda!”. O pássaro, enjoado de comer inhame, ao receber a oferenda, abriu as asas e disse “oba!”, vacilando e desguarnecendo o peito. O caçador de uma flecha só aproveitou a oportunidade para acertar o seu coração. Foi tiro e queda. Digo, foi flecha e queda. E o povo feliz, liberto do terror, ovacionou seu herói, gritando “Oxó Ussi!, Oxó Ussi”, que, com o passar do tempo, foi simplificado para Oxossi, traduzindo para o Português, significa “Guardião do povo”.

E assim os ifelenses continuaram a festa, dessa vez, comendo inhame com carne do pássaro abatido e, em agradecimento, fizeram do caçador Oxó Tocanxô, o rei de Ketu.

Oxossi é o orixá da vida. Para ele não importa o quanto se viva, desde que se viva intensamente. Seu fetiche é um arco e flecha, uma frigideira de barro e uma pedra. Suas cores são o verde, o azul e o vermelho vivo e as filhas de santo devem vestir verde e amarelo com pulseira de bronze. Seu dia é a quinta-feira e sua festa anual é no dia de Corpus Christi. No sincretismo religioso, ele é identificado como São Jorge, na Bahia e Pernambuco e São Sebastião, no Rio de Janeiro.

 

« Voltar