A chuva caía do céu dançando entre correntes brancas, formando desenhos enquanto se esborrachava no chão. Os pingos de chuva na relva pareciam uma nota delicada de piano.
Ela desviou o olhar. Pensou: Quantas gotas de chuva deveriam cair por minuto? Desistiu.
Quantas nuvens se formam no céu? Começou a pensar nos tempos de menina moça em que morava na Tijuca e saía apressada para o Instituto de Educação. Foi até a penteadeira, verificou se não havia pó ou nenhuma outra partícula de poeira.
Não que fosse uma mulher neurótica, absolutamente. Cristina Felizarda da Silva cresceu assim, fiel, dedicada apaixonada pelo lar. Porém, essa noite estava longa... Muito longa. O relógio na parede insistia em lhe mostrar as horas. E seu marido onde estava?
Foi até o guarda roupa verificou os bolsos do casaco do esposo, cheirou suas camisas, contou todas as suas cuecas. Tudo estava como antes. Nenhuma prova.
Caminhou até o espelho. Já não era a mesma mocinha dos tempos da Tijuca. Lembrou-se da vizinha Ernestina que perdera o marido para uma lolita. Mas isso não iria acontecer com ela. Confrontou-se com o espelho novamente e chegou à conclusão que havia engordado 120 gramas na face direita. Ficou arrasada.
E se o marido resolveu abandoná-la. Quase 01h10min da madrugada e o homem não chegava a casa. Pensou em ligar para as amigas. Desistiu. Todas iriam comentar que seu casamento estava de mal a pior. Mas se de repente tudo fosse fantasia de sua cabeça. Era doida pelo seu homem. Os pais fizeram questão do casamento. Guardou-se somente para ele, casou na igreja de véu e grinalda. Virgem, tal como veio ao mundo. Não aceitava a idéia da perda do amado por nada neste mundo, seu marido era capitão da Marinha, o homem que sempre sonhou em ter.
Se o marido a traía ela não queria saber, matava a amante e ponto. E se por vingança se envolvesse com seu dentista ou com o rapaz do prédio que fazia manutenção no elevador. Não. Isso nunca. Os pés fugiam do chão e faltava-lhe coragem.
Estava decidida, tão logo o marido cruzasse a porta ia interrogá-lo. Tinha o direito de saber.
Quando o relógio batia 02h48min da madrugada o marinheiro entrou casa adentro. Ela foi logo dizendo.
– Qual o nome dela?
– Tá falando de quem, mulher?
– Da outra.
– Tu tá maluca?
– O nome... Só quero saber o nome dela? Se é mais gorda do que eu? Se é mais nova? Se tem celulite? Estrias?
– Cala essa boca mulher. Vá para cozinha arrume minha janta. Depois prepare meu banho e me espere na cama.
Que alívio! Pensou Cristina. Aprendeu com sua avó que quando um marido maltrata a esposa é porque ele ainda não arrumou outra. Então, foi para sua rotina de sempre, cama, mesa e banho. |