PANORAMA DA PROSA BRASILEIRA
CONTEMPORÂNEA - VOL. 1

FRANCISCO MALTA – Francisco Malta Drummond é mineiro de Itabira, e reside atualmente no Rio. Pós-Graduado em Literatura Brasileira pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro), cursou jornalismo pela Estácio de Sá-RJ, e Artes Cênicas pelo Net (Núcleo de estudos teatrais – BH). Como ator participou de espetáculos como: Blue Jeans, de Zeno Wilde, A lira dos vinte anos, de Paulo César Coutinho, e dos musicais: Mogli: O Menino lobo e Tarzan. Em Televisão: Diversos trabalhos na TV Globo, entre eles as novelas: Uga-Uga, de Carlos Lombardi e Senhora do Destino, de Agnaldo Silva. Ainda apresentou durante três anos no Canal Universitário o programa: Letras e Mídias. Atualmente produz o filme Paixão, com direção de Sérgio Fonta. Leciona no curso de férias da Universidade Estácio de Sá.

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 Francisco Malta Hoje é dia de Cristina

Francisco Malta De repente

Francisco Malta Um pai, um filho



UM PAI, UM FILHO

O sonho de Tônico desde criança era entrar no mar. Ele não conhecia as águas do oceano. Fora criado pelo pai e a madrasta no interior de Minas e gostava de desenhar a quebra das ondas na praia que conhecera pelas novelas da TV.

O mar era imenso, infinito, dizia o pai. Na cabeça de Tônico era mesmo um lago belo. Desses que seu vizinho, o fazendeiro seu Jerônimo tinha... Um lago para criar peixes.

Todos os dias quando campeava corria entre o gado, brincava com os animais e deixava que o vento o levasse para o alto da montanha.

– Um dia eu vou conhecer o mar!

Tônico sabia quão difícil era para o pai deixar seus afazeres para simplesmente levá-lo para conhecer o mar. À noite os sonhos invadiam seus pensamentos e transportavam Tônico para outro universo. Cansado da lida no campo, do sol que rachava sua cabeça, o menino só tinha o sonho como companheiro. Nas lacunas do tempo - Tônico era marinheiro.

– Ainda vou morar perto mar. E ouvia do pai.

– Tu precisa é de uma surra de chicote e trançado seu desocupado. Donde já se viu ir pro mar?

O velho esbravejalhava e para não deixar o garoto sonhar , misturava uma porção de arroz, feijão, milho e mandava que Tônico os separasse. O velho não suportava vê-lo brincando e solto pelo mundo. A idéia de liberdade incomodava o traste.

– Quero tudo pronto quando eu volta do buteco... tudo separadim... tintim... por tintim...

– Tão logo acabava de falar o velho ia para o buteco tomar sua cachaça.

– Um dia eu vou embora daqui e não volto nunca mais.

A madrasta tentava consolá-lo.

– Tira essas idéias da cabeça menino. Donde é que já se viu a gente é pobre... tem muito má onde cair morto.

– Não gosto dele, Lena.

– Mas é seu pai Tônico. É pecado você dizer umas coisas dessas. Não fala isso que Deus castiga.

– Deus não existe tia.

– Ave Maria! Menino, ocê tá é possuído, falano uma coisa dessas.

Mas Tônico não acreditava em Deus, nem no pai, nem na madrasta. A única coisa em que Tônico acreditava era em seus sonhos. Para Tônico alcançar a liberdade e fugir da opressão do pai era a dádiva da vida. Por isso não acreditava mais em Deus. Como Deus podia permitir tanta maldade? Tão logo a noite caia o pai voltava do buteco, bêbado, doido, escorando pelas paredes, xingando palavrões.

– Cadê a minha janta?

Gritava para mulher. Tão logo mastigava a primeira garfada ralhava.

– Tá sargada essa comida. Cê não presta pra nada. Vagabunda!

Num fluxo o velho bebum atirava a panela de sopa na parede e, pegava a faca e começava.

– Hoje eu vou sangrar um...

O inocente Tônico chorava e nada respondia. Todos os dias era a mesma coisa. O sol escaldante, o trabalho forçado, os maus-tratos do pai. O menino e a madrasta corriam para o mato e por lá dormiam até o dia clarear e a cachaça do pai curar. Na manhã seguinte do velho dissimulado afirmava não se lembrar de nada. Mas Tônico sempre repetia para madrasta.

– Por que ele não morre, hein. Gente ruim tem que morrer. Igual nas novelas que eu vejo.

Mas o velho traiçoeiro como sempre tinha o hábito de escutar conversas atrás da porta e ouviu.

– Cê tá me desejando a morte, seu fio da puta. Pois eu vou lhe dá uma surra de mangueira, uma sova daquelas. Quem te dá cumida, coisa ruim? E vê lá por que ocê não vale o angu que come.

Com toda a crueldade que o espírito imundo tinha, apossou-se de um pedaço de mangueira e começou abater no menino.

– Agora quero que ocê desapareça daqui.

A madrasta tentou proteger o menino, mas o velho a atirou longe.

– Se não calar essa boca eu quebro sua dentadura.

Mas Tônico levantou, encarou o velho e disse:

– Toda maldade que me fez virá em dobro pra você. O menino chorava, encarava o traste e repetia a frase como se fosse um mantra.

– Toda maldade que me fez virá em dobro para você.

O velho tentou ganhar terreno, mas sabia que já não tinha forças. Tentou levantar a mão e sentiu a mão entortar, suas pernas foram dobrando, a língua foi enrolando e em poucos minutos o traste estava se contorcendo no chão.

Nunca mais souberam do Tônico. O velho vive abandonado às moscas. E Tônico desde aquele dia ganhou o mundo e foi em busca de seus sonhos.

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Francisco Malta
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Francisco Prosdocimi