ÁRVORE DE NATAL

             Caminha  apressada depois da faxina,cansada de tantos recolher papéis, lavar troços, organizar, cabraçada a um presente da patroa,  embulhado em papel alumínio, em papel manteiga e depois em um caderno literáio de um Jornal qualquer, as sobras do pernil. Tem pressa mesmo, porque a filha hemiplégica, de doze anos, depois de receber nas costas uma "bala perdida", que ninguém soube de onde veio, nem porque - sua comunidade sempre pacata -  a espera sempre ansiosa. Jamais chega de mãos vazias. Uma balinha que seja, tira da bolsa grande, cara e velha que a filha de D. Ju lhe dera, há uns seis anos. Ver o sorrido angelical da meninazinha, é seu grande  momento do dia. Cim, menina ainda. A puberdade sequer se instalara na pequena. Nem brotos mamários, nem cavar-se de cintura. A menarca ainda não marcara suas roupas íntimas. A garota, sem experiências sociais, leituras excitantes, não apreende as cenas picantes da novela que a mãe assiste ao chegar. Conhece todos os personagens, ri em todas as situações engraçadas, comenta as roupas da protagonista, acha bonito o artista que a beija. Mas continua com a alma  de criança.

                  A mulher, no ponto do ônibus agora, observa um casalzinho a trocar afagos. A sem nehum constrangimento por estarem em público. A mão afoita do adolescente adentra a malha da camiseta vermelha da parceirinha e fica por ai, qual lagartixa em parece lisa. Desvia os olhos e pensa que, felizmente, a filha é uma menina, quase dá graças pela semiparalisia, quando pede persão a Santa Rita, não, claro, preferia  fosse saudável, haveria de educá-la bem, pra que tivesse juízo. Perdida em seus pensamentos, penetra num cochilo reparador.
                  Quando abre os olhos, o ônibus está parado, ninguém, em o motorista  estão nele. Assustada, levanta-se e caminha para a porta.
                  O trocador  entra e diz, compreensivo: - A senhora perdeu seu ponto? Este é o final... Morde um sanduíche e ao reparar em seu olhar, oferece um pedaço, com a presteza dos pobres, que sabem o que é ter fome:
                    - Quer?Tome um pedaço.Entrega-o e ela agradece, mas antes de comer, pergunta quando o ônibus sai.
                    - Agora mesmo, mas a senhora terá de descer e pegar aquele - aponta para um coletivo parado à frente, ainda com as luzes apagadas -  o motorista me mandou "vim "avisar."
                    - Mas vou ter de pagar de novo?
                    - Tem, mas vou falar  com o motorista para deixar a  senhora entrar por trás, e não rodar a catraca.
                    - Ah, será que ele deixa?
                    - Vamos ver, diz o rapazote. Dá espaço a que ela desça, com um gosto bom de salame na boca.
                   Tudo arranjado, ela volta  para casa,  já sabendo que o ônibus, no retorno, não passa tão perto de seu barraco, ainda assim, sente-se bem, parece um relaxamento, um passeio de ônibus, ela qual uma princesa em sua carruagem. Princesa? Ri de si mesma! Longe se vão os tempos em que  acreditava em história e fadas e afins. Quando entrara na igreja para se casar com o Beto, cumprira um último trajeto de esperança, simples mas resplandecente de alegria, no seu vestido branco, véu e grinalda de margaridas. No mesmo ano, ele morrera afogado, brincando e acenando para ela.Dali para frente, grávida e chorosa, só lutas. Até agora, quando a única alegria era a menina, Jaqueline. Quando pensou na filha, estremeceu. Mas onde  estaria o pacote com os restos e pernil? Lembrara-se do outro ônibus, ali dormira,  por certo, fora roubada. Ou deixara cair, sonada...
              Desolada, pensou que aquela hora, não encontraria mais nada pra a filha, mas suspirou e agora já despida da sensação gostosa de ter uns momentos sem correria só para si mesma, caiu num estado de qusase letargia.
              O motorista, já avisado  pelo tocador, de seu trajeto, olhu para trás e falou bem alta para a passageira única, caso estivesse cochilando:
               - Ei, minha tia, é o próximo ponto.
              Quando ela passava por ela, para sair do veículo, ainda a instruiu, enquanto passava uma toalhinha no rosto suado e simpático e observada a mulher limpinha e com ares de grande cansaço:
              - A senhora vira duas quadras acima, à èsquerda e duas ruas depois, é aquele ponto perto da sorveteria, quando o ônibus vem de volta.
              Ela desceu, num local ermo, embora mais para cima, bares estivessem abertos, as pessoas certamente com a canseira e a falta de grana pós natalina.
              Foi andando, um pouco apreensiva, porque aquele não era seu trajeto, de vez em quando, por prudência,  virava a cabeça para um ou outro lado, para descobrir que andava sozinha. Ao virar a primeira esquina, uma porta se abriu, era a da cozinha de uma churrascaria. Um rapaz de bigodes jogou fora, por sobre as latas de lixo, metros e metros de enfeites natalinos, aqueles usados em guirlandas, ainda com objetos pendurados. Ela deu alguns passos e voltou.
              Sim, estavam jogando fora. Começou a tentar enrolar, enrolou-se com a tarefa, e a porta novamente se abriu. O rapaz riu:
               - Quer levar?  Deixe que eu ajudo! Tem tanto enfeite, que nem sabemos onde jogar mais. Com mãos grandes e ágeis, fez rolos e foi lhe entregando. Alguns ela colocou na bola, sem poder mais puxar  o fecho-eclair. Ele foi lá dentro e voltou com uma grande estrela:
               - E essa, a senhora quer? Ainda tem as luzinhas, é só ligar... O patrão mão gosta que guarde, para não juntar poeira, baratas, ele é fanático por limpeza, mas tem de ser, é um restaurante... Ela abanava a cabeça, a alma novamente iluminada. O presenteador lhe disse:
               - Ei, a senhora quer levar umas sobras? Tem muita coisa que estamos dividindo, faço uma embalagem "de viagem" para a senhora. Ela jamais viajara, mas fez que sim, agradecendo previamente, o sorriso luzindo no rosto.
              Ele voltou com uma caixa.
              - Tem de um tudo aí, só coisa fina, até doces e castanhas  - e com o tato dos generosos, minimizou a doação, para que não parecesse esmola - também estou levando para minha patroa, acho que dá para congelar, para o Ano Novo, até... Todos nós estamos enchendo caixas...
              Ela fez que "sim" com a cabeça e contou:
              - Minha filha está me esperando, ela adora doces...

              Já ia saindo, quando ele chamou:
              - Olha que bonito, disse mostrando uma fileira  de pequenos aljôfares vermelhos e dourados. Toma aqui! - E vendo que ela não tinha mais espaço, enrolou tudo em seu pescoço, depois de pedir licença - até parece um colar!...
              Quando desceu do ônibus, correu para casa e encontrou a menina, cansada de esperar, semiadormecida. A garota, com aquele sorriso de barco, igual ao dela, exclamou feliz:
               - Nossa, mãe, você está aparecendo uma árvore de Natal!
               Aquela foi uma das melhores noites de reencontro cotidiano das duas, um Natal atemporal, mas cheio de encantamento, alegria e fartura!

Clevane Pessoa de Araújo Lopes

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