O RELÓGIO DAS ÁGUAS |
FLAVIO GIMENEZ |
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A miragem
Olhei o espelho. Odiado objeto vil, estranho brilho da alma. Fosco, envelhecido, sempre a mostrar facetas que nos desagradam, este companheiro de décadas, de milênios, que nos espreita.
Sempre tive fascinação por espelhos desde que descobri Borges e seus emaranhados relatos sobre a infinidade de escadas e suas bibliotecas cheias de Minotauros à espera de mais uma vítima.
Ví que meu reflexo é mais do que eu era, ou esperava que fosse. Toda uma era se passa, toda uma vida corre como um rio de prata, inevitavelmente a caminho de sua foz. O espelho, esse sim, nos retrata e nos recoloca no rumo de nossa existência.
Como passa nossa vida! Às vezes, ela apenas se espaça de instantes de morte, ou de sofrimento, em quinhões de pura felicidade. Esgarça-se pouco a pouco, esvazia-se como um balão de fumaça e sobra o pouco tempo que flui e o desgraçado está lá, qual abutre de fina tez, ave de rapina a gargalhar de nosso olhar crítico ao constatarmos o que nos espera após o nosso medo, após nossa miragem sem graça.
Alguém já disse, a vida é sonho, eu acrescento: qual vida não é uma simples imagem, um reverso do avesso do espelho em sua reflexão de um mundo inteiro em si mesmo, como se a realidade fora outra que não a refletida na argêntea superfície do lago calmo que nos capta?
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