O verdadeiro príncipe
Primeiro quero me apresentar. Sou um ilustre desconhecido, prazer. O prazer é meu. Fazer o quê, sou um desconhecido para todos aqueles que não me lêem, mas pouco me importo. Há quem conheça outros ilustres desconhecidos, mas eu flutuo mais ao rés-do-chão, daí esta minha desfaçatez em debochar de vossas senhorias, tão crentes de que tudo se resolve num clique do mouse. Não é preciso só ter o mouse, o programa, afinal. É preciso aprender a separar o joio do trigo, aqui e algures. Como fazer isto? Danem-se, vocês não são os donos da verdade absoluta? Desdentados, imberbes, absolutamente embasbacados, mas donos da verdade absoluta. Tudo o que fazem é vigiar impunemente tudo o que se escreve aqui. Daí jogam em uma espécie de máquina de moer as letras e a sopa daquilo que se escreve vocês vendem como carne de primeira. Vejam bem, tudo não se resolve ao simples clicar de um mouse, oh santas ignorâncias. Antes de tudo, tem de ter consistência, tolerância com as idéias do Outro, aquele que se opõe a vocês, essa massa disforme de idéias que sobrepuja toda e qualquer tentativa que se lhes faça de tolher, de oprimir, de retalhar. Ainda não aprenderam? A maioria silenciosa fica assim, em silêncio, porque há os gritalhões: vocês, mas a maioria sabe enfim escolher a hora em que a minoria se calará, e assim foi a História em todos os seus movimentos, uns tristes, outros inúteis, outros afins, muitos esparsos e coalhados, mas sempre foi assim a História. Vocês ainda não aprenderam a se calar quando devem, ah isto ainda não. Mas estamos aqui, sempre a lhes atazanar, vocês que vendem as idéias desde todo o sempre, a sopa de palavras primordial com que fabricam os sonhos de nossos filhos e netos e assim vai, sempre bafejando nos cigarros e charutos de sua boca fajuta e de sua mão encarquilhada de novos príncipes. Quero me apresentar, prazer, sou seu sucessor, um Novo Príncipe, que nada tem a ver com vocês, tem tudo a ver com vocês, nada a declarar e tudo a dizer como detestamos seus rótulos, seus vínculos vagabundos e suas faces risonhas e rosadas como a bunda de seus bebês de proveta, seus dedinhos cheios de pedrinhas que são compradas em lojas de falsas, pedras que revendem a vocês a ilusão da verdadeira gema, aquela que vocês nunca terão. Oh Santa Terra dividida, e vocês ainda acreditam que nós é que somos silenciosos?? Quem são vocês que se arvoram o direito de raciocinar por nós, sonhar por nossos sonhos e comandar a humana liberdade de pensar em novos horizontes, sempre a olhar para cima e além? Como podem se dar o direito de imaginar que vão sempre estar com a justiça ao seu lado se estão sempre par e passo do Abismo? Quero me apresentar como aquele que pode empurrar a todos vocês para o final que vocês menos imaginam, quero me apresentar como o Príncipe que vai limpar de suas mentes a simples idéia de que se acham a quintessência da espécie, só porque seus dentes são alvos, seus corpos são esguios e suas mãos espertas. Declaro aberta aqui a temporada em que suas melhores qualidades serão seus piores tormentos, porque me acho à sua altura, mordendo seus lindos pescoços de alvas veias e sugando suas mais estranhas vicissitudes. Permitam-me apresentar-me: Sou o Príncipe de Outras Eras, aquelas que decretarão o fim de todas as outras. Inclusive da sua. |