MANHÃ DE FUZILAMENTO
Névoa nos morros. Manhã.
Vento frio no cerrado.
Tragédia nos céus do Irã:
Anoush vai ser fuzilado.
Anoush combateu Pahlevi,
O tirano. A um poste atado
— Que a terra lhe seja leve —
Anoush vai ser fuzilado.
Anoush quis ver o seu povo
Sem grilhões, não subjugado.
O vento sopra de novo:
Anoush vai ser fuzilado.
Anoush encara sem venda
O aço dos fuzis gelado
Mostrando-lhe a boca horrenda:
Anoush vai ser fuzilado.
Anoush tentou combater
A fome no Irã nevoado.
Agora Aoush vai morrer:
Anoush vai ser fuzilado.
Uma estrela brilha ainda
Lá no infinito escampado.
"Preparar!" Como ela é linda!
Anoush vai ser fuzilado.
A luz da estrela Anoush viu
O Irã, depois, libertado.
Anoush, sereno, sorriu:
Anoush vai ser fuzilado.
"Fogo!" A chama rubra, é o Fim.
O corpo de Anoush tombado.
Sons de rufos. Um clarim.
Anoush já foi fuzilado.
Sei onde se ganha mais!
Quem mais tem vou te dizer
O lucro a gente é quem faz
Pede prêle remeter
Mercado de capitais!
Paulo investiu pra valer
Do Banco Inglês quero avais
Ô cartório pra render!
Quantos dólares no Banco
Façam fila! Jogo franco!
Vou aos States a negócio:
Ferra mesmo! Não tem pena!
Operação de safena
O danado do meu sócio!
POESIA DA ENCHENTE
"— Tu tá veno, cuirão? Tu tá
veno, José?
Eu num disse qui a inchente esse ano era braba?
Cadê tua juta agora? Eu quero vê cumo é
Qui vai-se arisurvê! Suco! Água
qui nunca acaba!"
E o rio vai galgando as carnes do barranco
Cobrindo os capinzais, os troncos assediando,
Seguindo, mata a dentro, em desmedido arranco,
Aos lagos e igapós as águas germinando...
Estão mortos jutais, as plantações
tombadas,
As casas se-mostrando, à flor do lençol
tétrico,
E hercúleo e caudaloso, o rio, em rabanadas,
Avança, vale a dentro, o corpo quilométrico...
O Amazonas cresceu, nestes meses pioneiros
E ainda mais crescerá, nos meses que hão
de vir.
Nesse anseio de criar que estremece os banzeiros
O gigante brutal somente faz destruir...
O rio é largo e belo, é como um
canto errante
Da natureza, entoado em plena tempestade.
O ventre colossal vibra, enfunado, arfante
E rola os vagalhões com lenta majestade...
Na superfície, ao sol, balseiros, velhos
troncos,
Em lenta procissão vão desmandando
o mar.
O vento é frio, e é forte. As vagas
soltam roncos
E espumam, são cristais se esfacelando
no ar...
A selva assite a marcha eterna da corrente
E é bela, é moça, é
verde, é viva e misteriosa...
A coma é seiva e luz, mas lôbrego
e silente
É o fundo coração dessa
floresta umbrosa...
As aves vêm valsar nas margens, de beleza
Criando, contra o céu, fulgurações
ideais,
E segue, assim, vibrando, a enorme correnteza
Entoando um cantochão entre sons festivais...
O crepúsculo é um sonho, é uma paisagem linda
De outro e coral e azul e espelhos de cristal
A alma se enleva e ajoelha, e esse enlevo não
finda
Quando nos céus se espalha a noite equatorial...
O vento sopra, e soa a inúbia dos rebojos,
A água sinfonizando em gorgolões
sombrios...
O pensamento sobe, em místicos arrojos
E mergulha depois na esteira dos navios...
Mas... o monstro subiu trinta metros ao todo,
E as matas invadiu, as várzeas submergindo.
Terra firme é bem pouca. O gado está no lodo
Ou triste, a se imprensar nas marombas, mugindo...
E o caboclo? O mongol calado da restinga?
Onde está o oriental do "jaticá",
do arpão?
Campeão dos matupás, batalhador
da aninga
Rei completo do anzol, da rede e do facão?
Onde está o grande herói que na
proa da sua
"Montaria" partiu pra pescar jacaré?
Onde o veste-te-trapo, o João-ninguém
que a lua
E ao sol trabalha e luta, alentado a "chibé"?
Está no pastoreio ao gado? Na caçada?
Cortando canarana ou lançando o espinhel?
Virando tartaruga à praia? Na queinada?
Ou foi pro seringal, representando Abel?
Qual o quê! P cabpc;p. emcprikadp a i, camtp
Está, qual um Noé, sozinho no Dilúvio.
Sem casa, sem vintém, tendo a vida, se
tanto
Nada pode fazer contra o inimigo plúvio...
Plantar roças sobre água? Impossível!
Pescar
Ele o pode fazer, mas com dificuldade.
Que lhe resta, afinal? É remar, é remar
E ir como outro já fez, mendigar na cidade...
"Vucê, se me ajudá, cumpatrício
do sur,
Vai ganhá de presente umas cuisa incantada:
Vú mandá pra vucê, já
"feito", irapuru
E olho de buto, viu? Suco! Inchente zangada!"
(Ao primo Maury)
Os gatos solfejam seus violinos
Fazendo amor por cima dos telhados.
Os alísios sopravam, superfinos,
Indo, sutis, despentear os prados.
As estrelas puríssimas hialinos
Alfinetes cravavam nos relvados
E o marulho dos rios assassinos
Feria os meus ouvidos extenuados.
A noite era de ritos e presságios.
Aos poucos, em vagarosos estágios
Uma lua grená subia da terra.
Havia no ar um cheiro acre de fumo...
Um breado de pavor se ouviu no rumo
Da silhueta colossal da serra.
NOCTÂMBULO
Como relembro tanto aquela
madrugada
De gelidez transpondo
a fronte angustiada
E de vento a gemer nos
braços das ramagens...
Era ouro e palidez aquela
lua enorme,
Que inda estende o seu
manto à cidade que dorme
E faz ressuscitar um
turbilhão de imagens...
Tudo estava em silêncio
triste como a morte
E as estrelas azuis
brilhavam longe, ao norte,
Como lumes de amor prestes
a se extinguir.
A estrada era tão
branca e a ânsia indefinida
Que eu não sei
bem porque não exalei a vida,
Como uma ave de sol
que procura fugir...
Havia em minha face uma
expressão estranha
Um rictus de dor e uma
angústia tamanha,
Que ao fitar o luar
vi meu rosto sofrendo.
E inquiri, balbuciante,
às sombras e ao sigilo
O que seria, céus!
o que seria aquilo
Que esparzia tristeza
em tudo o que ia vendo?
Silêncio. A grande
dor não deu resposta. Apenas
Houve um breve carpir
de trêmulas avenas
E lágrimas do
luar nos horizontes baços.
E a triste voz do vento,
a deslizar, chorando,
Um nome de mulher passou
pronunciando
E fugaz como o amor
perdeu-se nos espaços...
RIO NEGRO
(A Gilberto Mestrinho)
Noite polida, deslizante e fria,
Face impassível lutuosa d'água
Treva que desce quando sbe o dia
Lágrima negra de uma longa mágoa.
Cordão de sombra que nunca deságua.
Rio espelhante de face erradia
Caminho errante que de frágua em frágua
Num fundo abismo mais e mais se enfia.
Banda de um elmo de um cruzado etéreo
Tampo de esquife, líquido mistério
Pantera d'água sempre a caminhar
Singrando os peixes nesses fundos pegos
Como conseguem ver sem ficar cegos
Como seguem seu rumo sem errar?
COISAS DO MEU TEMPO
Meu Deus! Tira este peso de saudade
De mim, por esses fatos do passado!
Que nostalgia enorme a alma me invade
Neste instante em que é tudo relembrado...
A política, os tempos de amizade,
Redação de jornal — recinto amado —
Episódios da minha mocidade
Minha doce Manaus, mundo encantado!
Cada minuto que vivi tão belo
Volta-me agora e nesse ritornello
Se me comprime o terno coração.
Cada lembramça na minh'alma é um
quadro
Lindo formando da memória no adro
Pinacoteca desta solidão!
II
E nesse instante eu compreendo os poetas
Os Casmirios, os Gonçalves quando
Longe da Pátria, os imortais estetas
Faziam versos mil quase chorando.
Ó instantes que vivi, horas diletas
Em tantos ambientes, ora em bando,
Ora sozinho, em meio às ruas retas,
Por que de noite agora estais voltando?
Súbito compreendi que estou maduro
Embora sinta cada vez mais puro
Meu bravo coração de rondonês
Vem a saudade de Manaus, do nobre
Tempo de lá que agora a mim descobre
Tudo o vivido assim de uma só vez!
III
Guardo a saudade num baú antigo
E os episódios todos; pois são
tantos
Que, se os não eu puser já nesse
abrigo,
Me acabarão fazendo cair em prantos!
Fecho-os no coração, deles desligo
A visão, e em jardim de melantos
Acabarão por se tornar, pois quantos
Que eles viveram já estão no jazigo!
Eu não pensava que tanto te amasse
Manaus! Mas de repente vejo a face
Dessa vivência em ti e me surpreendo
Vigilengas! Achegas! Remembranças!
Dormi nas arcas, como velhas tranças!
É a minha mocidade que estou vendo!
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Atuação no Senado e na Câmera |