Nesta obra auto-biográfica, narra sua infância, através de 132 sonetos. Uma verdadeira aventura mata amazônica a dentro, com todos os perigos da vida selvagem, onde não faltam tiros, cobras, jacarés, mas também a coragem e a solidariedade de amigos leais. Um emocionante registro, escrito no exuberante e pitoresco linguajar regional. Esta obra também está sendo comercializada em CD.
(I)
Andei rondando pelo mundo afora
E quase me esqueci de ti, poesia.
E quão mais longe caminhando eu ia
Menos pensava em ti, meiga senhora.
Mas nesta noite novamente agora
Estou contigo aqui, rezando pia
Prece de rendição e de alegria
Porque afinal tu não te foste embora
Como viver sem ti, poesia amada,
Se tremo ao defrontar-me ao pensamento
De um dia ver chegar enfim o nada
E como Alphonsus, escutar um sino
Com seu dobre pesado e macilento
Apagando o meu tempo de menino?
Nasci no município
amazonense
De Porto Velho, mas
fui registrado
Em Santo Antonio do
Madeira, ao lado,
Como parido em chão
matogrossense.
Tempos depois apenas
guaporense
Tornei-me quando fui
abocanhado
Um pedaço bem
bom de cada Estado
Pelo Governo Federal
castrense.
Anos depois, sendo eu
legislador,
Um projeto de lei, com
destemor,
Apresentei mundão
ao território
De Guaporé para
Rondônia o nome.
O Congresso aprovou
e assim se some
Este feito para o meu
repertório.
(V)
As primeiras, de que eu tenho notícia,
Recordações concernentes a mim
São de eu vivendo em Guajará-Mirim
E meu pai trabalhando na Polícia.
Era subdelegado. Essa primícia
Eu me recordo bem, pois foi assim
Que eu me tornei um molecote ruim,
Pensando que era dono da milícia.
Usava na cintura um sabrezinho
Que alguém me dera e tinha um certo arzinho
De querer meter gente na cadeia.
Mamãe é que salvava a situação:
Pegava do meu pai o cinturão
E em dez segundos me cobria de peia...
O jacaré sempre foge da raia
Quando se bate – práaa! – n’água
com o remo
E vai boiar, fingindo-se o supremo
Bem longe, continuando na tocaia...
Mas minha mãe era um rabo de saia
Que o Ceara’ mandou para outro extremo
Acho que mais valente do que o demo
E que ao receio nunca fez zumbaia.
Mergulhávamos como dois malucos,
Nadávamos naqueles negros sucos
Do Guaporé gostoso e bem friozinho.
Voltávamos os dois bem refrescados
Pulando e rindo como dois danados
Patos do mato retomando aos ninhos..
UMAS CONVERSAS DE ÁUREO E PASSARINHO
(XXIII)
Eu tinha umas gaiolas com pipira,
Uns sanhaçus e galos de campina,
Todo esse cromatismo que a divina
Mão pintara, animara ou esculpira.
À minha baladeira sucumbira
Toda essa fauna alada e superfina.
Minha pedra não era a que fulmina,
Pois não matava a ave que eu tinha em
mira.
O passarinho apenas "desmaiava",
Eu levava-o para casa e ali o "tratava",
Fazendo-o tomar água e um pirãozinho
Comer. Era mais um no cativeiro
Que iria se tornar bom companheiro,
Numas conversas de Áureo e passarinho.
Desde lado é Brasil. Do outro, Bolívia.
Não é grande a distância
que separa
As margens que o rio lambe com lascívia
No duro chão que ferozmente ele ara.
Um dia, era manhã, surge uma vara
De "queixadas", como negra lixívia,
Atravessando as águas, coisa rara,
Na direção da nossa praia nívea.
Foi tremendo o alvoroço. De espingardas
Facas, rifles, facões, cacetes, jardas
De cordas, o pessoal, faminto, armou-se
E para receber a porcalhada
(Decerto aquilo era um conto de fada)
Como um bando de doidos preparou-se.
(XXX)
Nesinho não queria papo agora.
Certo de que matara o paquiderme
Queria era tirá-lo d; água fora,
Já que na beira ele jazia inerme.
Mete a mão na laçada sem demora
E puxa o monstro qual se fosse um verme
Mais para a terra. Um ronco naquela hora
Se escuta, de gelar nossa epiderme
E na mão do Nesinho as longas presas
De um lado a outro, qual brasas acesas,
Se cravam, do animal. Que cena horrenda!
Grita o pobre infeliz. Meu pai atira
Duas vezes, mata a fera, e a dona Elvira
Grita que o leve, e bem depressa o atenda.
A festa do "Divino" era chegada.
Ataviando um barco e seus cantores
Cheio de bandeirinhas multicores
De repente atracava na beirada.
"Pu riba dessa bandera
Vem uma pomba voano.
É o Divino Espirí-íto Sa-an-antu
Que nos ve-en-in-abençoano..."
Não poderia haver mais afinada
Voz que a daqueles jovens sedutores
Todos de branco, eles e os instrutores,
Naquela embarcação engrinaldada.
Uma bandeira enorme de cetim
Presa a um mastro que tinha lá no topo
Um pássaro de pano e um querubim
O povo ia chegando e de joelhos
Rezava, enquanto circulava o copo
De "meladinha" entre novos e velhos.
(XXXVI)
Como podemos nós pedir clemência
Ao poder que nos criou se para Sermos
Temos que dar mil provas de demência
Outros seres matando em crudos termos?
É claro que é total nossa inocência
E a culpa que nos cabe é a de nascermos
Cravando os dentes qual se da alma enfermos
No que está vivo, em cruel concupiscência.
Sim, perder a razão é a única
forma
De respondermos ao que desinforma
E nos torna felizes se perversos,
No sonho absurdos de sermos poupados
E paradoxalmente perdoados
Nos debulhando em orações e versos...
De manhã, com café, era macaco
Frito numa farofa, aliás, gostosa.
Ao almoço, terrina fumegosa
De macaco guisado — cada naco!
Queiram me desculpar se aqui não saco
Que ao jantar era a coxa deliciosa
De um veado, ou de paca bem molhosa,
Mas não, porque de novo era macaco!
Até me repeti. Mas era um fato.
Macaco de manhã, de tarde e à noite.
Quem pensar em peru merece açoite!
Era macaco e só. Porque no mato
Era o bicho que dava. Em toda parte
Era um tal de macaco fazendo arte!
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Atuação no Senado e na Câmera |