O HIPOPÓTOMO E O VIOLINO DE VIDRO
Contos
64 páginas
Ed. autor
Brasília/DF

DR. PROCURADOR

            Sim, eles puseram Monteiro Lobato na Procuradoria.
 
            Não era grande o acúmulo de serviço, mas para o deixar aniquilado bastabam aqueles precessos mesmo, sobre Direito Administrativo, e outros sobre Terras, de capas cinzentas, como costados de navios de guerra. Deprimentes.

            Monteiro pensou no tempo de estudante de Direito. Como ganhara o diploma? Denso mistério, que o próprio não sabia. Por certo era inteligente, muitas pessoas o diziam. Aqueles que liam seus contos, disso falavam. Mas, as leis... Lembravam-lhe solteironas, magras, esqueléticas, simetricamente iguais nos ombros e quadris, chapéus de missa na cabeça, cara de protestantes. Nenhuma beleza. Nenhuma cor. Completa ausência de movimentos. As duras leis.

            Circunvagou os olhos derredor, que é como se diz, não é? Em frente, grave, o dr. Tejada, nariz bicanca, barba cerrada, nordestino rijo, nos seus cinqüenta anos, inapelavelmente consciente da sua cultura jurídica. Olhou à direito. Vermelho, olhos frios, cabelos louros cuidadosamente penteados, ansioso por trabalhar mais, apaixonado pela profissão de advogado, o dr. Trindade, nascido em Niterói, fazendo jus a uma promoção por merecimento, presidente de vários inquéritos, na garoenta capital.

            Buscou o Procurador-Geral. Alto, goiano, marrom, citado entre os especialistas em Direito eleitoral, consultor jurídico dos grandes partidos políticos nacionais, autor de vários livros.

            Ao fundo, Moacir de Almeida, mestre de Direito, perito em legislação imobiliária, autor de vários tomos sobre locações.

        Meticuloso, jovem, cabelos finíssimos escovados, mas caprichosos, trabalhador e culto, com excelente curso de Direito, ali estava o dr. Harrison, neto de britânicos, de ilustre tronco saxônico.  As funcionárias olhavam, como que aguardando luminosidades do engenho do recém-nomeado. Transpirava bastante Monteiro Lobato.

        Dado momento, pessoalmente, o presidente da autarquia, que estava de passagem na cidade, veio à Procuradoria em visita, e Lobato estendeu as mãos frias para o chefe de olhos azuis e pensou na água cristalina, que caía do grotão na cidade à beira do rio onde nascera, e, diziam, na qual se alguém se molhasse, nunca mais sairia dali. Antes não tivesse saído. Mas o jornalismo o impelira e agora aí estava: cumprimento do presidente da autarquia, curso de Dirieto, esquina da vida.

        Agradecido, cumprimentado, examinado, esperançado, horas seculares depois Monteiro Lobato, despedia-se e caminhava tristíssimo no rumo da casa, onde iria elaborar, a duros sofreres e com os recursos que a literatura lhe dera, o aseu primeiro, bem escrito, demorado, penoso e certo parecer jurídico. O Dr. Osvaldo Soares da Silva Monteiro Lobato, bacharel, escritor e poeta.