PRESENÇA DO ESTUDANTE INHUC CAMBAXIRRA 
Romance
208 páginas
Ed. autor
Brasília/DF

Idéias estranhas sobre curso e idade
(18º capítulo)

        No dia seguinte acordou Inhuc com a melhor disposição.
        Desde que começara a andar em companhia de Jocineide, uma secreta pontinha de inveja começara a luzir na base do cerebelo inhuqueano. Vontade de ser vedete também, centro, "cartaz" e líder, e isso, por misterioso labirinto dalma, ia conectar com a sua trirepetência.
        Ao escovar os dentes, pensava: "Este ano era bom que eu fosse aprovado. Estou ficando velho. Acho que uma divisa de segundanista não me faz mal nenhum. Depois, se for o caso, largo os estudos. Mas, largar no primeiro ano, fica chato... O importante é saber, lógico. O diabo é que eu não sei nada mesmo. Andei brincando demais... Mas este ano vou passar".
        À hora do café todo mundo estava olhando uma auréola de anjo que se criara exatamente na cabeça de Inhuc Cambaxirra. Ou não? É que todo mundo estava de cara pra sima mesmo, lesando. Mas Inhuc era um santo, ungido, coroado, vestido de linho: imaculado menino.
        Pelo menos saiu assim de casa, e logo atolou o pé numa poça de lama que lhe respingou a farda.
        Pela Rua Joaquim Nabuco acima, seguiu roendo aquela idéia de aprovação. O moleque Zezé falou de um assassinato ocorrido no "Buraco do Pinto", que era como chamavam a Ramos Ferreira nos lados que confluía com a Nabuco. Já era o sétimo crime cometido pelo mesmo sujeito, que vinha das bandas do Tefé, e deixara fama no Alto Solimões.
        Nem isso o interessou. Resmungou qualquer coisa e foi andando. Morcegou um bom bonde, pra não perder o costume ficou no fim do estribo, enquanto o condutor, gordinho e de suíças, andava pela frente sacudindo uns trocos.
        Já estava perto do Ginásio quando o condutor se aproximava. Nada mais fácil do que saltar andando. Lembrou-se do Baguary, um colega que era um tremendão pão-duro, não pagando passagem de bonde em hipótese alguma. Uma vez saltara com o veículo aos "nove pontos", pour pouco a cara esborrachando não em sólida parede do quartel dos bombeiros. Mas saíra invicto, sem pagar. Inhuc acabara com aquela amizade, pois o Baguary lhe dava nos nervos. Aquele era demais.
 
 

        Saltou, de "espanholita", do bonde, na Rua Lauro Cavlcanti, perto do Ginásio, e saiu andando passadas jogadas. Entrou Ginásio adentro e foi direto à Secretaria.
        — Quero saber minhas notas! Tudo sobre a minha pessoa.
        O Raimundinho, chefe da Secretaria achou graça aquela disposição. Era a primeira vez que via Inhuc Cambaxirra com tal acesso, e pr isso aquiesceu a tudo. Auxiliou-
o a ver o seu quadro escolar: a coisa não estava tão má. Se tirasse notas mensais normalmente, sem faltar, estaria equilibrado para passar de ano. Depois, nas proas, ele jurava que seria aprovado. Inteligência Inhuc não faltava, todos sabiam disso no Ginásio. Agora, com o número de faltas que ele habitualmente perfazia, é que não tinha sido possível, até aquela data, nenhuma aprovação. Isso acrescido, diga-se a verdade, de algumas suspensões justíssimas no seu trienium vitae de memórias de mangas verdes e sabão nos trilhos.
        Inhuc saiu tranqüilo naquele dia e fez mentalmente um nó-cego de jura de que iria estudar bastante e freqüentar mesmo.
        Pela rua, pensando sério, andando no rumo da estação bondes, parece que tinha descoberto o futuro.