Sobre Chico Buarque de Hollanda
Difícil definir Chico. Aliás, acho que é impossível defini-lo. Ele não precisa de explicações, de teorias. Ele é sentimento puro. Um ser humano pra lá de sensível, incrível, acima da média. Os livros, os depoimentos, as letras de suas composições — quer sejam unicamente de sua autoria ou com parceiros — são obras literárias do mais alto gabarito. Ele consegue entender a alma feminina, descrever diversas camadas da sociedade, sempre com uma riqueza de construção impecáveis. Às vezes, numa simples frase um poema inteiro repleto de lirismo e competência. Suas músicas contam histórias, mostram facetas do comportamento ou da alma humana, protestam, se regozijam em provocações que elevam o piegas ao mais alto grau de inteligência. O lugar comum e o amor barato ganham ares de romance de elite; as histórias de ridículo elitismo dos falsos cultos transformam-se em amores piegas. Tudo sem cair no banal, no óbvio, pois ele vai fundo e consegue extrair do dia-a-dia todo o sentimento e rasga-o em imagens do subconsciente, embutidas em cada situação. O inusitado é o óbvio; o óbvio tratado como oculta dimensão. Os sentimentos são expostos em toda a sua extensão.
E Chico completa, dia 19 de junho, 60 anos!

Como congratular tanta competência? Ele é atemporal, imortal. Acho que a idade cronológica, em Chico, pouca ou nenhuma influência tem. Ele é feito de surpresa: quando pensamos que ele já falou de tudo, ele descobre novas facetas para o comum ou para assuntos inusitados. A leitura de sua obra é sempre atual, pois fala da vida das pessoas comuns, dos sentimentos de todas as pessoas.

Em cada leitura, uma interpretação e novas descobertas. A cada vez que se ouve uma canção de sua autoria, por exemplo, ela nos mostra novos ângulos.

Chico é a surpresa: a cada dia se descobre outro Chico. Camaleão das artes e do amor, construtor de textos perfeitos, falando a língua do povo, dirige-se a todas as camadas sociais e intelectuais.

Chico é Chico. E ponto final!



Buda e a Peste*
22/02/04

* Malucas considerações sobre o livro BUDAPESTE – Chico Buarque de Hollanda

Uma agonia, a procura pela cura daquela peste. Várias tentativas foram feitas. Vários idiomas, santos, xamãs, iansãs, padres, pastores e até jurei foi jurado. Desconjurados os santos, ignorada a crença das vítimas, dispensadas as formalidades e a boa educação. Sem reservas, entraram todos, no afã da tentativa de um possível — embora improvável — milagre.

Não! Não é nada disso! Nada do que fora imaginado pelo leitor desavisado. Nenhuma idéia pré-concebida. Tudo se torna surpresa. Tudo muda com a chegada de Chico Buarque de Hollanda que descreveu Buda e Peste como se fossem únicos, porém, divididos mundos. E a realidade, a agonia da personagem, só teve cura quando saciada a curiosidade.

Quando terminei o livro dei um suspiro: “Esse Chico é demais!”.

A surpresa não está na narrativa, no vocabulário, na idéia: a surpresa está no todo. A inteligência do autor faz-se mister quando ele consegue fazer com que Buda salve a Peste e se tornem, ambas as partes, um país só, coeso, de sensatez, responsabilidade e competência, digno de nota.

É um livro que guardarei para sempre na memória. Fez-me novamente curiosa, me chamou a atenção, me devorou em suas páginas, me fez correr linhas, afoitamente, à espera de que Buda conseguisse um milagre para Peste.

E, no final, Peste era o milagre que Buda relatava!

 

Joana Francesa x Brasileira à milanesa
20/02 — 21/03/04

Em minhas veias corre Chico. Em meus ouvidos, lateja Chico. Em meu cérebro, mil frases parafraseadas, reinventadas, de Chico. Como reescrever Chico, se ele é perfeito? Se ele entende da alma feminina mais do que esta fêmea pobre e mortal o consegue, por mais tentativas que o faça, em vão?

— Quem vem lá
Que horas são
Isso não são horas, que horas são
É você, é o ladrão
Isso não são horas, que horas são
Quem vem lá
Blim blem blão
Isso não são horas, que horas são*

 Ah! Meu conjugado e suburbano coração que sente, ouve, pressente que as verdades serão ditas sem censura, que o que é verdadeiro, em meu âmago, é esse misto de santa e puta que me habita em desarrumação. Inconformadamente mulher, eis o que sou. E esse misto de mãe e corpo, cozinheira e dama, verdade e fantasia, é o que faz com que eu confunda as gavetas, misture nossas meias, lave nossos cheiros. Sei de longe, sei de cor, conheço tuas mãos que me tornam aguardente em tua boca seca que me degusta o mel.

 — Quem vem lá
Que horas são
Isso não são horas, que horas são*

São horas conjuntas, adjuntas, permutas. São horas difusas, confusas, obtusas recusas que não lhes dou razão. Apenas sigo a vontade desse pobre e confuso suburbano coração. Seguirás encantado, meu Prometeu, meu José, meu Romeu. Pra sempre tua, ao lado teu.

— Quem vem lá
Que horas são
Isso não são horas, que horas são
É você, é o ladrão
Isso não são horas, que horas são
Quem vem lá
Blim blem blão
Isso não são horas, que horas são*

*Trecho da música SUBURBANO CORAÇÃO — Chico Buarque 1984 © - Marola Edições Musicais Ltda.

 

A maternidade (segundo inspiração de Chico Buarque)
20/02/04 – 27/02/04

Tanto te amei e amo, que nem sei como te dizer do arrependimento das noites em que adormeci, ao lado do teu berço, sobre um terço de amor materno rezado a espantar a febre que te ardia o corpo pequeno e queimava meu coração de mãe.

Por que não foi dado às mães o direito de parar o tempo? Eu teria agora teu corpo frágil contra meu peito sugando o leite e me sentiria novamente te alimentando de vida.

Quisera ter retido tua infância em minha realidade. Levar-te pelas mãos a passear no parque, te carregar no colo, te socorrer das pequenas quedas, te empurrar no balanço ouvindo tua voz criança entre sorrisos a pedir: “Mais alto, mamãe!”. Ouvir-te de novo contando histórias da “icolinha”; de como foi gostoso passear no “Ivipapuera”; correr a atender a porta quando tocavam a “pancainha”; me pedir o “pecotô” quando sentia frio; me contar que no circo havia um “bicho au-au” (monstro); de como adorou ir com tua tia ao Circo “Garcinha” e ver o urso “colar”; abrir ao máximo os pequeninos braços pra me mostrar o tamanho da casa “bem gandi” que  me daria quando crescesse; sentir teu beijo, tuas mãozinhas passeando por meus cabelos em movimentos anelares, querendo me fazer cachos, e dizendo “mamãe eu te amo”.

Ai, filho, que te fiz homem antes do tempo. Por que será que mãe sempre tem arrependimentos? Por que sempre nos achamos imperfeitas? Por que sempre lamentamos não ter curtido mais?

O tempo é nosso inimigo, apesar da amizade sólida que temos com as lembranças, sempre vívidas dentro de cada coração materno! A memória da pele, do corpinho contra o nosso corpo, do ser dentro de nós! Essa é a saudade que mais me aperta: te sentir em meu ventre como se fossemos um só!

Amo tanto e de tanto amor... Ah, isso é outra música, outra praia, outra história!

Hoje me sinto Angélica. Sou essa mesma mulher, a mãe cantando sempre esse estribilho: filho, eu te amo tanto!

 

CALA BOCA, BÁRBARA

(parafraseando Chico, dando outra conotação)

2003

Bárbara é meu nome. Sou filha da dita. A dita Dura. Sou aquela mesma: que fala o que pensa, cochicha nos cantos quando lhe cortam a língua ou as cordas vocais. Minha luta é a inspiração: fui poesia, Teatro de Arena, jornal fechado, jornalista enforcado, deputado torturado, cantor exilado, compositor camuflado.

Minha cor é o vermelho. Vermelho sangue, luta, revolta, inconformismo. Vivi clandestina, caatinga nordeste, campina silvestre, me escondendo da situação incômoda, comodamente instaurada, num golpe verde oliva.

Meu céu não é azul. Meu céu não voltará a ser azul, como antes de 64! Antes tenho que preencher lacunas, hiatos mal formados, idéias atravessadas, conceitos pré-conceituados. Sou revoltada: uma revolta indígena que morreu pagã — índios exterminados antes de nós, sinistros na escrita e nos ideais — .

Tentei me engajar (palavra bonita, da moda!) nas Diretas Já, antes de descobrir que elas se transformariam em Direita Sempre.

Vislumbrei um pedacinho de céu azul novamente: Lula Presidente! Mas, para mim, já era tarde demais, pois já sou demente! A tortura me fez moradora eterna desse calabouço da mente.

Oh, poesia! Oh, história! Oh, escrita!

Presas a ferro minhas idéias, nada mais tenho a dizer, que ainda não tenha sido dito!

Em nome dos filhos dessa luta, dessa dita Dura, imploro: não repitam a história! Repitam as idéias, os ideais, os princípios. Sejam novamente seres humanos.

Thaty Marcondes
N. E.: Reprodução de foto autorizada pela assessoria de imprensa do homenageado


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