Arturo, 11, que passou pela operação
porque "afiava" as garras nos móveis de casa.
foto: Fabieno Cerchiari/Folha Imagem
Depois da polêmica em torno da cordotomia, cirurgia para retirada de cordas vocais que deixa o bicho sussurrando em vez de latir e miar, um novo procedimento veterinário promete ainda mais barulho: a remoção definitiva das unhas dos gatos.
Conhecida no meio médico como onicoplastia ou onicotomia, a operação é feita sob anestesia geral e leva menos de uma hora. Dependendo do paciente, é preciso manter o animal internado por três dias.
Uma a uma, as unhas das patas dianteiras são arrancadas juntamente com a raiz. A falange de cada dedo também é retirada para que a unha não nasça nunca mais. O bicho deixa o hospital com as patinhas enfaixadas e deve sentir dificuldade em andar ao menos nas 24 horas seguintes.
"Isso ocorre nos primeiros dias, mas em menos de uma semana, período em que deve tomar antiinflamatórios e antibióticos para evitar possíveis infecções, o gato vai estar recuperado", explica o veterinário Mauro Anselmo Alves, 42, que cobra R$ 350 pela cirurgia. "Só faço em casos extremos, quando todas as tentativas se esgotaram", diz.
Quem procura pela cirurgia da remoção de unhas são donos de animais que vivem geralmente em apartamentos, não querem ver seus móveis ou paredes arranhados pelas garras afiadas do felino, mas desejam ficar com os bichos, como a cirurgiã plástica Mariângela Santiago, 44, que mandou operar o casal persa Arturo, 11, e Penélope, 11. "Eles estragaram um conjunto de estofados e umas cadeiras da sala de jantar", lembra.
"Resolvi doá-los, mas ninguém queria levar os dois animais. A operação foi uma alternativa para não separá-los." Mariângela se diz consciente de que nunca mais seus gatos poderão ir para a rua por estarem suscetíveis a ataques de outros bichos. "Sei que tiramos parte da defesa, mas eles vão viver e morrer protegidos ao meu lado", conforma-se.
Há uma série de motivos que levam o gato a manter o antigo hábito de "esticar" as unhas. Quando é filhote, está se descobrindo e conhecendo o ambiente em que vive; adulto, faz isso para se "exercitar".
Móveis, estofados e tapetes são seus objetos prediletos. Na verdade, eles estão desgastando as bainhas velhas e duras para expor as novas garras que vêm por baixo, como instinto de defesa.
Existem, porém, meios menos invasivos de controlá-lo. O próprio veterinário pode explicar ao dono como o corte da unha deve ser feito sem causar nenhum dano ao animal. Uma dica é usar cortador de unhas projetados especialmente para impedir rachaduras. Outra sugestão é manter arranhadores para que o gato se exercite e amenize sua ação sobre móveis.
Pelas normas do CRMV (Conselho Regional de Medicina Veterinária), de São Paulo, a cirurgia para retirada de unhas é considerada uma agressão, e o procedimento médico, sujeito à punição. "É uma mutilação, uma violência", critica o interventor federal do conselho, o veterinário Flávio Prada, 64. Segundo Prada, a operação é antiética, e quem a pratica pode sofrer um processo do CRMV, que implicaria de sanções de advertência a cassação do exercício legal da profissão. Para que isso ocorra, primeiro é preciso registrar uma denúncia por escrito no conselho. Fiscais do órgão vão então investigar o procedimento e, dependendo do caso, transformá-lo em um processo a ser analisado pela comissão ética do órgão.
"Acho cruel. Dá para manter as unhas bem curtas. Sou profissional, explico como é a cirurgia, quais são as consequências para o animal. A decisão é do cliente", diz o veterinário Luiz Renato Flaquer Rocha, 31, que, apesar de se dizer "pessoalmente" contrário à cirurgia, faz a operação.
Entidades protetoras dos animais condenam esse tipo de cirurgia. "Assim como os bigodes são órgãos que funcionam como sensores, as unhas são indispensáveis para o instinto de defesa do gato", defende Nina Rosa Jacob, 59, presidente da ONG Instituto Nina Rosa de Promoção e Valorização da Vida Animal. "Quem tem gato deve conviver com a forma como ele foi criado pela natureza ou procurar outro meio de entretenimento porque esse animal sem unhas passa a ser um bibelô", critica. Para Nina, "quem não os aceita como são não deve tê-los".
Fonte: Revista da Folha Online, de 05/10/03