Crônica da 2ª quinzena de maio
Minha Pátria
Olavo Bilac convidou-me para visitar nosso país. Um imenso Brasil! Faça de tua andança uma viagem de esperança, disse-me.
Leve contigo um poema de amor, feito ciranda: Ama com fé e orgulho, a terra em que nasceste!
Criança! Não verás nenhum país como este! Olha que céu! que mar! que rios! que floresta! A Natureza aqui, perpetuamente em festa. É um seio de mãe, a transbordar carinhos.
Vê que vida há no chão! Vê que vida há nos ninhos, que se balançam no ar, entre os ramos inquietos! Vê que luz, que calor, que multidão de insetos! Vê que grande extensão de matas, onde impera, fecunda e luminosa, a eterna primavera!
Boa terra! Jamais negou a quem trabalha, o pão que mata a fome, o teto que agasalha. Quem com o seu suor a fecunda e emudece, vê pago o seu esforço, e é feliz, e enriquece!
Criança! Não verás país nenhum como este: Imita, na grandeza, a terra em que nasceste!
E fui, só. Visitar este imenso Brasil. Andei. Pernoitei em casebres onde a tristeza beijou a noite. Um facho de luar, teimoso, brincou de iluminar um choro infantil.
Um dia, ao passear pelo interior do país, deparei-me com um imenso canavial. Vi crianças cortando cana. Eram negrinhas, da cor da cana queimada. Crianças pelo trabalho, judiadas!
Pequenas, miúdas, doze ou treze anos. Ligadas com a pureza pelo cordão umbilical. Mãos hábeis na manipulação do podão; ágeis com força sem igual.
Cada golpe forte, brutal, trazia a ganância do usineiro que explorava mão-de-obra infantil, como se fosse normal, como é pelo interior do Brasil.
Num segundo eterno, a tragédia fez de um menino vítima fatal. O podão, tão amigo, companheiro, virou inimigo e ceifou-lhe a inocência de uma infância angelical.
Virou um aleijado bóia-fria. Agora um escravo da produção de açúcar que na manhã adoça meu café. Bebo e jogo o resto na pia.
Todo dia, jogamos um pouco da beleza do menino bóia-fria, pelo sujo ralo da pia.
Cheguei em cidade grande. Pau-de-arara trazia sonhos de cesta cheia de pão que mata a fome. Sonhos de trabalho. De riqueza e felicidade.
Um menino, Tião Pretinho, chegou de mansinho e sussurrou: Vai graxa aí, doutor?
Tião Pretinho encheu de graxa a caixa de desencantos e lustrou sapatos da praça num canto. Tião Sozinho encheu de moedas o bolso de miséria e pagou caro da casa sem sustento.
Tião Bobinho encheu de cola o saco de ilusão e viajou feliz da vida sem amanhã. Tião Mortinho encheram de serragem o corpo de menininho e enterraram o engraxate como indigente.
Tião Anjinho sonhou um dia o céu de luzes, e o poeta na poesia que Pretinho era gente!
Cheguei em casa. A Pátria de Olavo Bilac não era o Brasil banhado pelo sol dos meus pesadelos. Aqui, ainda impera a ganância, a roubalheira e o frio castiga corpos inertes e inocentes ao luar.
Aqui, a liberdade, a igualdade e a fraternidade valem uma ninharia, no balcão de troca, onde o voto vale um sapato sem par na democracia.
Aqui, a poesia é o desencanto da vida a espelhar tristeza e matar a alegria!
Criança! Quiçá, um dia, jamais verás um país como este!