Crônica da 1ª quinzena de julho
SER VELHO: UM PRIVILÉGIO
O filósofo Sócrates, que nasceu em Atenas em 469 a.C. e morreu na mesma cidade em 399 a.C., se apresentava em debates como um verdadeiro ignorante, usando o conhecimento que o homem tem do próprio homem, partindo da premissa que sabia que nada sabia.
Na verdade isso era apenas uma armadilha, pois Sócrates era um mestre na utilização da ironia e se o debatedor se conscientizasse e superasse a raiva da exposição ao ridículo, conseguia apresentar soluções lógicas para problemas apresentados, experimentando sensação de glória intelectual pela experiência vivida.
Talvez o filósofo tivesse consciência que perante o conhecimento universal, por mais que soubesse, jamais saberia o suficiente, por isso sabia que nada sabia.
Em que pese, a expressão "saber o suficiente" só deverá ser usada em relação a algum problema apresentado, pois a solução se dará no momento da aplicação do conhecimento específico.
Problema resolvido, utilizado conhecimento suficiente.
A grande questão é: quanto de conhecimento é suficiente, ao ser velho, morrer sabendo-se feliz?
Se partirmos do conhecimento enquanto herança da própria vivência da humanidade, como bem definiu Jung, quanto ao inconsciente coletivo, temos a abstração do próprio conhecimento até o momento de sua afloração para o consciente como verdade apresentada.
Chegamos ao mesmo ponto: problema apresentado, solução encontrada através de conhecimento específico.
Donde se conclui que conhecimento só serve para resolver problemas apresentados. Ou, para que serve o conhecimento se não for utilizado para resolver problemas expostos?
Talvez a verdade seja outra: Ser velho e morrer feliz, independe de ter mais ou menos conhecimento.
O poeta Manuel Bandeira expressou toda sua angústia num poema tão singelo e tão universal: "Andorinha lá fora está dizendo: Passei o dia à toa, à toa. Andorinha, andorinha, minha cantiga é mais triste, passei a vida à toa...à toa."
Aqui temos a vivência humana não na solução de problemas apresentados, mas na riqueza das experiências vividas, que deixando de tê-las, ensejou o passar a vida à toa, à toa, por isso a angústia do poeta.
A contrário-senso, uma vida rica em experiências vividas traz conhecimentos tantos, na mesma proporção.
Isso impõe outra indagação: Um homem ignorante, com pouco conhecimento universal, mas o suficiente para ter resolvido de forma satisfatória todos os problemas que surgiram ao longo de sua vida, foi ou não feliz?
Partindo agora das mesmas questões e juntando-as, podemos concluir que ao morrer sabendo-se feliz é diferente de morrer sentindo-se feliz.
O conhecimento mais sábio talvez seja saber, ao fim de uma vida, que sentir e saber é mais importante que só sentir, ou só saber.
O pensador só pensa. O emotivo, só sente. O velho sábio pensa e sente. Um privilegiado!
Ao final da vida, mesmo tendo grande conhecimento e sabendo solucionar inúmeros problemas, mas tendo humildade o suficiente para saber que nada sabe, não como ironia, mas como insignificância perante o universo, o velho sabe, sente e morre feliz.