Crônica da 2ª quinzena de agosto
Como Combater a Criminalidade
Toda sociedade humana que traz em seu bojo a ética no viver e o equilíbrio social entre seus semelhantes, cada vez menos precisará de um Estado forte a lhe determinar regras de conduta.
O inverso também é verdadeiro. Toda sociedade humana que vive em desequilíbrio social com distância enorme entre seus cidadãos, cada vez mais precisará de um Estado Jurídico opressor a lhe determinar seu modo de vida.
É um erro cada vez mais freqüente a utilização de forças do Estado com mecanismos jurídicos medievais que atacam - via de regra - as conseqüências e frutos de políticas sociais injustas, como solução ao combate da criminalidade resultante da miséria e pobreza humana.
A casta dominante priva a maioria da população brasileira do alcance aos meios mínimos de sobrevivência como educação, saúde e moradia, e depois através de um Estado aparentemente estruturado, utiliza mecanismos ultrapassados e joga seus "frutos podres" em jaulas que sequer são utilizadas em zoológicos de quinta categoria das mais paupérrimas cidades interioranas.
São seres humanos lotando mofadas e pequeninas celas em cumprimentos de penas que lhes dão no máximo dez anos de vida em dupla penalidade imposta à margem de já ultrapassados códigos de processo penal e código penal.
O sistema de justiça brasileira funciona como os cinco dedos de uma mão. Todos infelizmente não fazendo parte da mesma mão.
Temos em todos os Estados da Federação uma polícia militar que ainda guarda o militarismo em sua estrutura de funcionamento, totalmente desaparelhada e com baixos salários em suas tropas. Não acompanhou o desenvolvimento tecnológico e utiliza os mesmos meios de combate à criminalidade há décadas. Cabe-lhe mesmo assim o papel de prevenção e combate repressivo ao crime.
Em seguida temos uma polícia civil ou judiciária, também desaparelhada e igualmente com baixos salários e que não guarda nenhuma sinonímia com avanço tecnológico ou estrutural, fazendo quase sempre o papel de guardadores de cadeia ao invés de polícia investigativa e cumpridora de ordens ou mandados judiciais.
No esteio dessa falida estrutura, temos um poder que cresce a olhos vistos, ainda meio sem rumo, já que seus pares sequer têm noção - na maioria das vezes - do que acontece longe de seus gabinetes fechados em mofados fóruns de justiça.
É o Ministério Público que se arvora como paladino, muito mais fazendo barulho que de fato sendo o elo que interliga o fato social à conseqüência jurídica resultante desse mesmo fato. Longe ainda de ser o verdadeiro fiscal da lei.
No âmbito penal, trabalha juridicamente em cima de inquéritos insuficientes para um perfeito oferecimento de denúncias criminais, que na maioria das vezes penaliza somente pobres e pretos, como regra conhecida entre os militantes nessa esfera jurídica brasileira. As cadeias e prisões vivem abarrotadas desses filhos da Mãe Gentil.
Após, temos um judiciário longe de atender aos anseios do povo brasileiro, já que as necessidades jurisdicionais da população passam ao largo dessa estrutura falida e que ainda faz-de-conta que aplica a justiça através de precários mecanismos judiciais e que na verdade funcionam para satisfazerem aos mais poderosos em detrimento do resto da população brasileira.
A maioria das condenações criminais é de miseráveis, trazendo raras exceções o bico das canetas jurisdicionais no pleno exercício regulador da vida cotidiana de qualquer comunidade brasileira, que é condenar um poderoso ou um praticante de crime de colarinho branco ao cumprimento de qualquer pena.
É a velha desculpa jurídica: A materialidade do delito e a autoria são perfeitamente provadas em delitos menores. Há muita saída jurídica para os crimes praticados por poderosos. Sendo muito difícil, portanto, suas condenações.
Após todas essas trapalhadas de funcionamento da justiça brasileira, normalmente estando o réu preso e em cadeias ou distritos policiais, temos a aplicação da pena pelo Juízo das Execuções Penais, que guarda longa distância de qualquer mecanismo de recuperação do preso. E o mais cômico, quase sempre o preso não cumpre sua quota de responsabilidade e pagamento com a justiça, pois a super lotação das cadeias e presídios impede que possa cumpri-la. Não havendo lugar para prendê-lo.
Ainda assim, se preso for, sofrerá várias outras condenações, como sevícias, contaminações por vírus de aids etc, não conseguindo fazer parte de qualquer mecanismo de recuperação que hipocritamente brasileiros ilustres fecham os olhos à sua existência com a velha máxima: Preso não vota.
Inicialmente, não há qualquer solução para o combate à falta de segurança em nosso país, se não passar por uma justa arrecadação tributária e uma conseqüente melhor distribuição de renda, que necessariamente deve privilegiar a saúde, a moradia e uma digna educação para o povo brasileiro, diminuindo as desigualdades sociais.
Mesmo assim não será suficiente. Deve ser acompanhada por uma profunda reforma em todo o sistema de justiça.
As polícias devem ser unificadas ou trabalharem conjuntamente com as Guardas Municipais, que devem ter poder de polícia, todas aparelhadas e modernizadas tecnologicamente, trabalhando também em conjunto com o ministério público e em consonância com mecanismos em que o Estado possa fazer frente aos crimes praticados contra a sociedade e que tragam em seu bojo a intelectualidade e ousadia de seus praticantes.
Somente um Estado Moderno pode fazer frente aos verdadeiros criminosos brasileiros.O sistema de justiça deve estar a serviço de toda a sociedade brasileira e não somente de uma pequena parcela de sua privilegiada população.
O judiciário também deve passar por ampla reforma, com transparência em suas decisões organizacionais e enxugamento de sua estrutura interna de mazelas, e ao mesmo tempo deve criar mecanismos que não o afastem de seu primordial objetivo existencial, que é aplicar a verdadeira justiça aos seus jurisdicionados,em todos os níveis.
O ordenamento jurídico penal não pode ficar para trás, deve substituir os desumanos dispositivos de aplicação das penas por medidas que retratem a verdadeira aplicação imediata da justiça, como pagamento pelo dano causado à vítima e em casos outros de serviços à comunidade e finalmente a privação de liberdade somente em casos extremos ou de desvios comportamentais de impossível recuperação. E nesses casos deve ter o acompanhamento médico-psicológico durante todo o cumprimento da pena.
As prisões devem ser reformuladas com a criação de oficinas de trabalho para que a laborterapia possa ser aplicada de fato, dando oportunidade para que o condenado possa efetivamente ser recuperado para a vida em sociedade.
As penas para crimes hediondos devem ser altas para desestimular a prática de tal delito. Inclusive de prisão perpétua para determinados tipos penais.
Devem as unidades de cumprimento de medidas sócio-educativas aos menores delinqüentes serem reformuladas com acompanhamento administrativo por parte da população da comunidade em que serão instaladas e cada cidade cuidando de seus menores, com aplicação de uma justiça definida em câmeras restaurativas onde o menor será confrontado com sua vítima e o objeto de seu desejo ao alcance desta mesma situação, para que a desigualdade não fique somente ao plano das diferenças éticas, mas sim na restauração da normalidade de convivência.
Quanto aos menores em situação de risco, ou menores de rua, devem ser implantados programas de reintegração dos mesmos à sociedade, com estudo e trabalho, como combate a médio e longo prazo à criminalidade.
É imprescindível que as Prefeituras Municipais e o Estado, abram suas escolas para que a população delas se utilizem, não só em horário de funcionamento escolar, mas sim como meio de lazer de toda a comunidade onde elas se encontram. Nos mais variados horários.
É fundamental que a população dos bairros se apropriem do espaço físico onde se encontram as escolas, deixando elas de serem bens públicos do Estado para se tornarem bens públicos da comunidade. A comunidade reage satisfatoriamente a essa medida, passando a usar e cuidar do equipamento público como se dela fosse. Como bem o é.
O mesmo deve ser feito com as praças públicas, onde as Prefeituras Municipais devem incentivar a utilização das mesmas para jogos e lazer, deixando de serem espaços da ociosidade e do vício.
As ruas devem estar sempre bem iluminadas e as árvores devidamente podadas para evitar que o escuro da noite possa servir de esconderijo natural para os bandidos.
A participação popular é imprescindível, já que a Constituição Federativa do Brasil assegura a todos os brasileiros o direito à associação para fins lícitos, não proibida em lei e vedada a de caráter paramilitar.
Esse mecanismo de liberdade e democracia participativa é o grande elo de ligação e ingerência entre o cidadão e as coisas do Estado em busca do bem comum.
Nenhuma das soluções acima apontadas acontecerá por mera dádiva do Estado, se não houver a participação dos cidadãos nas cobranças, nas ingerências, na ativação de mecanismos que façam com que o Estado Brasileiro deixe de atender unicamente a uma mínima parcela mais rica da população brasileira.
É preciso cada vez mais que a cidadania se fortaleça e se una em torno de objetivos perfeitamente lícitos e que a mente humana desenvolva, para que o Estado atenda a todos na distribuição de sua riqueza em prol de todo seu povo.
É necessário também que os meios de comunicação e a grande imprensa livre, entendam de uma vez por todas que outro país se forma além dos meros e antigos mecanismos políticos de democracia representativa e que se não retratarem essa nova realidade estarão afirmando conservadoramente: Se a imprensa não noticiou, o fato não aconteceu.
Portanto, qualquer meio de solução passa necessariamente pela democracia participativa e participar não é somente exercer o direito ao sufrágio universal, mas sim acompanhar, fazer, acontecer, exigir, enfim agir, eis que a Constituição Federativa do Brasil assegura esse direito.