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COLUNA DE DOUGLAS MONDO correspondência
Douglas Mondo é poeta, advogado civilista e empresarial, Acadêmico fundador e presidente da Academia Jundiaiense de Letras Jurídicas,  fundador, ex-presidente e atual vice-presidente do Conselho de Segurança de Jundiaí/SP.

Crônica da 1ª quinzena de novembro

Ao apito do trem

Aquela cidade do interior, dos tempos de outrora. Do Cine Argos e da Vila Argos Velha. Da Vila Arens e do Cine República. Na rua do coração morava menina-moça, na bela casa vermelha ao lado da estação ferroviária.

Entre janela e outra, havia um desenho em relevo. Um amor traspassado por um fogo em brasa. Era chama que ainda ardia. Talvez restasse apenas dor e melancolia.

Dorme, dorme linda moça, as quatro e quarenta e cinco o trem com a máquina inglesa traz o homem da capital para  o interior, livrando-o da tristeza.

Acorda, acorda, bela sapeca. O trem traz melodia para seus sonhos de levada-da-breca.

Acorda ao raiar do dia com sua anágua de formosura e ousadia para se banhar de branco leite e misturar os sentimentos da nostalgia.

Suba, suba, moça prendada. Esse poeta faz fita pra manga-rosa. O homem da capital, se trepar na mangueira vai parar no hospital.

Mocinha, mocinha, suba ligeiro pelos fortes galhos. Traga-me a fruta mais saborosa e seu vestido em frangalhos.

Venha, venha linda mulher, atrás do curral há um lindo lago, vamos nadar e mergulhar da passarela.

Seu vestido de chita colado ao corpo, Deus meu, nunca vi imagem tão bela! Assim não há poeta que resista! O homem fala mais alto, adeus artista.

Não volto, não volto, sou dos tais. Pia o Quero-Quero, mocinha você quer? Foi-se a brincadeira de menina, morreu a fantasia na dura realidade da vida daquela mulher.

Ah! A vida no interior! Vamos brincar de esconde-esconde, pular unha-na-mula, viver a vida, sentir a felicidade banhar a alma querida.

Oi seu Zé, quero um lanche de mortadela e uma turbaina bem gelada, marca na caderneta pro fim do mês. Dorme tranqüilo, sou freguês!

Há quarenta anos, era assim. Hoje, há um menino no meio do caminho. E o poeta faz versos como quem chora, ao som do apito do trem. Morreu menina-moça, de desgosto ao ver seu filho na Febem.

Olha um menino correndo! Foi na feira comprar fruta? Não, roubou a cesta de quem cedo labuta.

Morte ao menino-ladrão! Atira um tiro certeiro no sujo coração. Depois tem missa na Igreja da Salvação. Padre, que coisa feia, um pivete no caminho atrapalhando a procissão.

Seu delegado, prenda-o, pois culpa, ele tem. Vamos trancafiá-lo entre os muros da Febem.

Se o sol brilhar por entre as frestas da maldição, iluminará um adolescente deitado, feito neném, dormindo sob seu desafeto, agarrado ao que não lhe convém.

Ao longe, ouve-se o choro do trem!