Crônica da 2ª quinzena de fevereiro
Reflexões aos Cinqüenta
Quando era criança, olhava para o ano 2.000 e pensava: Meu Deus, quarenta e seis anos, serei um velho!
Quando era garoto, olhava um senhor com cinqüenta anos e pensava: Nossa, que idoso!
Meu único irmão morreu há dez anos, meu pai há sete, minha mãe e minha sogra estão internadas, tiveram derrame, e eu com cinqüenta anos sinto-me cansado, às vezes, mas não velho!
Meus filhos estão com suas avós doentes e internadas, sou a pilastra, não estou velho nem tenho direito de estar cansado e deixar de sonhar.
Ainda guardo o sonho juvenil de que há salvação para a humanidade. Ainda sonho com um mundo sem fome, com igualdade social e felicidade geral.
Ainda sonho com o fim da mediocridade, com o fim da hipocrisia, sonho com o amor beijando os corações solidários e um mundo rodeado de poesia.
Aos cinqüenta fortaleço-me idealista e ouso brigar com a ignorância de todo dia. Não bato continência nem puxo o saco, sei do valor da cidadania!
Nós, caros cidadãos, somos os patrões da valentia, somos o salário mensal da garantia. O direito nos pertence, a obrigação é a contrapartida de todo dia!
Quando era menino, ouvia dizer sobre o político: Rouba, mas faz!
Quando era jovem, ouvia dizer da sabedoria popular: Religião, política e futebol não se discutem!
Aos cinqüenta sei que religião virou negócio, política virou safadeza e futebol roubalheira. Ah, se todos tivessem discutido um pouquinho na hora do jantar e a novela começasse mais tarde que a hora vulgar.
Ah, se o político safado e o cartola ladrão fossem presos, para variar!
Aos cinqüenta sei que nada mudará se não continuarmos agindo, pois a malandragem determina a política sobre o pão nosso de cada dia.
O papel estabelecido e a estrela dourada sobre o ombro destemido, fazem da nossa vida um inferno nas mãos de jovens bandidos. Nos falta a garantia de uma vida tranqüila e sadia!
Pelo imposto pago nos é dado muito pouco, desejamos felicidade ainda que tardia!
Quando era adolescente, ousava discutir com o adulto pela pureza das idéias e não aceitava a passividade de que o mundo era assim mesmo, de que sempre existiriam ricos e pobres.
Ensinaram-se a buscar riqueza e importância, o respeito de todos, um doutor acima da fome e da miséria.
Quanta pobreza nessas propagadas idéias!
Aos cinqüenta sei da responsabilidade da existência, da minha, da família, do povo.
Aos cinqüenta sei que sou parte do todo. Único na individualidade e parte geral da totalidade.
Aos cinqüenta sei da fragilidade e da minha insignificância, sei da perda de memória da história e da pouca valorização enquanto defensor de uma melhor qualidade de vida para todos.
Aos cinqüenta sei que estou malhando em ferro frio, sonhando que poderei dar forma e com o compasso e o esquadro lutar por liberdade, igualdade e fraternidade, como meus irmãos me reconheceram um dia.
Quando era criança, tinha a vida toda para viver, hoje olho para o futuro e digo: A pena é minha arma, com ela ainda ouso a ignorância combater!
À frente um homem com setenta anos em plena alegria: Meu Deus, um jovem, olha quanta sabedoria!