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COLUNA DE THATY  MARCONDES correspondência
Na área empresarial, trabalhou na implantação de projetos de administração, captação e aplicação de recursos, e ainda em redação e revisão de textos técnicos. Nascida em Jundiaí, reside atualmente em Ponta Grossa/PR.

2ª quinzena de janeiro

Varais

Havia varais por toda a vizinhança, mas, os de Adélia, eram sempre os mais bonitos. Com suas roupas coloridas, brancos alvejados, pregadores de plástico em cores gritantes.

Toda manhã, a roupa a quarar sobre a grama cuidada. Chegava a doer nos olhos aquela brancura. À tarde era a vez de misturar as cores: havia dias em que ela fazia um degrade em tons que iam do amarelo ao vermelho, às vezes chegando aos tons de marrom escuro. Outras vezes ela fazia uma mistura colorida: uma peça de cada cor, misturas gritantes ou delicadas. Nunca se sabia, ao certo, o que Adélia faria. Talvez dependesse do humor ou do horário - variável, com exceção dos alvejados.

Quando chovia a vizinhança ficava triste: faltava-lhes a alegria dos varais de Adélia! Mas ao primeiro sinal de sol, lá estavam as roupas dela!

Adélia aparentava estar na casa dos 30 anos. Moça bonita. Se fosse mais cuidada, talvez chegasse à descrição de linda. Cabelos castanhos, anelados e longos, que ela mantinha presos com um prendedor de roupas - cada dia uma cor!. Talvez também dependesse do seu humor.

E a cantoria? A cantoria também variava, mas notava-se sua preferência pelo samba-canção - talvez gosto herdado de mãe ou de pai,ou de algum amor. As canções variavam. Seria, também, devido ao seu humor?
 
 

A janela do quarto de Gustavo, no segundo andar do sobrado, dava para a parte de trás das casas da pequena vila, bem onde se viam os varais da vizinhança.

Era doce acordar com aquela voz suave, delicada, abrir as cortinas e deparar-se com o branco doído da roupa alva que Adélia estava a quarar!

Ele passava momentos intermináveis olhando a moça, tentando entender o processo de escolha dos prendedores, da música, das roupas estendidas e alinhadas seguindo algum critério misterioso - e ele tentava desvendar todos os segredos contidos naquele ritual sem motivo lógico, sem seqüência definida, sem dureza de hábitos - eram desconexas as séries, não possuíam padrão.

Aos sábados e domingos Gustavo ficava triste, sem aparente explicação. Assim como nas épocas de chuva.

Um dia Gustavo chamou dona Arlinda, vizinha de total confiança, que trabalhava para ele, e pediu-lhe que lhe falasse de Adélia.

E então Gustavo chorou, após dona Arlinda contar-lhe a triste sina de Adélia.

A vida continuou. Gustavo gastava suas manhãs admirando aquela mulher cantante e aparentemente tão feliz e animada. Ficava pensando em como ela conseguia passar tanta alegria, tendo uma vida tão triste e desafortunada?

E novamente ele chorava. E ficava pensando se haveria alguma forma de atenuar-lhe o sofrimento, de ajudá-la.

Gustavo se apaixonara. Criava situações de alívio para o sofrimento de Adélia, em sua cabeça. Perdia momentos intermináveis em sonhos inusitados.

Começou a planejar um modo de poder ajudá-la, de livrá-la de tanto sofrimento.
 
 

Dona Arlinda guarda até hoje aquela manchete do jornal local, onde se lê o relato de uma cena de crime: “Encontrados os corpos de J.F.M. (menino,11 anos), C.F.M. (menina, 8 anos), ambos ao lado de suas respectivas cadeiras de rodas, mais o corpo de Antônio José Moraes (pai dos menores, 35 anos, alcoolizado, maneta e perneta), de Adélia Fraga Moraes (esposa de Antônio e mãe dos menores, 32 anos) e do escritor e professor universitário Gustavo Soares Mendes (45 anos, paraplégico). O delegado constatou que o sr. Gustavo atirou primeiro em Adélia, depois nos dois menores e por último em Antônio José. A última bala foi a causadora de sua própria morte.".
 
 

Dona Arlinda olha pela janela de seu sobrado e sente saudades dos varais coloridos e cheios, das roupas que nunca mais serão alvejadas como antigamente. Sente falta das canções de Adélia. Uma nostalgia quando chega o sol refletindo o vazio dos varais da vizinhança, agora triste e calada.