GLAUCOMATOPÉIA [#46]
Hoje escolhi um dos mais instigantes sonetos do parnasiano catarinense Luís Delfino. Entre os mais de mil assinados pelo poeta podólatra, este é particularmente curioso porque não fala apenas dos pés da mulher amada, mas do ciúme e da rivalidade diante da presença de outro homem. Mais forte que o ódio machista, o impulso masoquista deu-me o gancho para a glosa que sonetei logo a seguir.
A VALSA [Luís Delfino]Move-se, treme, anseia, empalidece,
Cai, agoniza; acaba-lhe nos braços:
Resfolga, arqueja, torna, reaparece,
Solda-lhe o seio, a boca, as mãos, os passos...Gira, volta, circula... Os olhos lassos
Têm langue, mole, voluptuosa prece:
A fronte branca ao colo dele esquece...
Atam-lhe as carnes invisíveis laços...Na sala, a um vão, inquieto a vejo... e o vejo!
Sofrer?!... não sei... mas toma-me um desejo,
Ao ver um só nos dois, o grupo enleado...Rojar-me ao chão, à terra de repente,
E nas voltas daquela valsa ardente
Morrer em baixo de seus pés calcado!
SONETO 515 RECALCADO [Glauco Mattoso]Valsando vê Delfino a sua amada
com outro, em cujo peito ela se apóia.
Vestida em pano fino, ornada em jóia,
a dama lembra a célebre enteada.Seu par, como na história das de fada,
de príncipe se faz e reconstrói-a.
Delfino, vitimado na tramóia,
apenas presencia e se degrada.Na sala ninguém nota-lhe o despeito.
Consome-se o poeta e, mentalmente,
se põe no meu lugar e age a meu jeito:Abjeto, sob o olhar de toda a gente,
aos pés do astral casal no chão me deito
e o macho é quem me pisa, sorridente.