GLAUCOMATOPÉIA [#29]

[1] Se, como diz o ditado, quem conta um conto aumenta um ponto, poder-se-ia dizer que quem fala do falo canta de galo. Já repararam como, ao contrário da pintura ou da escultura, em poesia os membros sempre são desmesurados? O folclore erótico associa a virilidade à grandeza e ao grau de dureza, desproporções às quais os poetas não escapariam. Para satirizar os megalofálicos fiz este soneto:

SONETO 432 SUPERDOTADO

O mito do caralho grande é foda.
Se dependesse disso, cem por cento
dos homens tinham pinto de jumento
a fim de procriar. Que triste moda!

Convém que executemos uma poda
no excesso desse estúpido argumento.
Um pau menor esporra sem tormento,
na boca e na boceta se acomoda.

Tamanho é documento? Nada disso!
Quanto mais curto, alonga-se o tesão.
Importa é ficar duro e ter serviço.

Meus dotes todos sabem bem quais são:
um falo diminuto, um cu castiço
e língua de dois palmos num pezão.

[2] Bocage, cujo pênis parece ter preenchido satisfatoriamente as expectativas femininas de seu meio, sabia mais que ninguém onde acaba a gabolice e onde começa o exagero. Não perdia, portanto, qualquer chance de ridicularizar os bem-dotados. Neste soneto ele veste a carapuça dum avantajado de pica, também chamada de "porra" em seu calão algo diferente do atual português brasílico, onde "porra" é aquilo que sai de dentro daquilo que penetra:
[SONETO DA PORRA BURRA]

Eram oito do dia; eis a criada
Me corre ao quarto, e diz "Aí vem menina
Em busca sua; faces de bonina,
Olhos, que quem os viu não quer mais nada".

Eis me visto, eis me lavo, e esta engraçada
Fui ver incontinenti; oh céus! que mina!
Que breve pé! Que perna tão divina!
Que maminhas! que rosto! Oh, que é tão dada!

A porra nos calções me dava urros;
Eis a levo ao meu leito, e ela rubente
Não podia sofrer da porra os murros;

"Ai!... Ai!... (de quando em quando assim se sente)
Uma porra tamanha é dada aos burros,
Não é porra capaz de foder gente".

[3] Enquanto Bocage enaltece a pequenez do pé feminino em contraste com a exuberante anatomia de sua própria masculinidade, aproveitei dois fragmentos de seu soneto para enquadrá-los ao galope do martelo e ao sabor de meus registros pessoais infantis, quando todos os caralhos que me assediavam pareciam maiores que o meu, na minha indefesa condição de deficiente consciente:
UMA PORRA TAMANHA É DADA AOS BURROS,
NÃO É PORRA CAPAZ DE FODER GENTE!

Com perdão dos sisudos e casmurros,
É forçoso explicar por que mal chupo
O rapaz para quem sofro um "estrupo":
Uma porra tamanha é dada aos burros!
Se enrabasse, arrombava, arrancando urros;
Mas ao cu, felizmente, é indiferente:
A garganta é que a gala alaga, quente!
Só quer mesmo o que alcanço abocanhado:
Circundar a cabeça, que o cajado
Não é porra capaz de foder gente! [8.97]

EIS A LEVO AO MEU LEITO, E ELA RUBENTE
NÃO PODIA SOFRER DA PORRA OS MURROS;

A memória exagera mas não mente:
No tesão, toda noite me acompanha!
A princípio, se acanha, ensaia a manha,
Eis a levo ao meu leito, e ela, rubente,
Com escrúpulo evoca o adolescente
Que, escoltado por seis esbirros burros,
Me encurrala e me força a chupar churros
Com recheio a lembrar leite de peito!
Ficou virgem na história o cu, que, estreito,
Não podia sofrer da porra os murros! [8.98]

GLAUCO MATTOSO
Poeta, letrista, ficcionista e humorista. Seus poemas, livros e canções podem ser visitados nos sítios oficiais:
http://sites.uol.com.br/glaucomattoso
http://sites.uol.com.br/formattoso
 

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