GLAUCOMATOPÉIA [#30]

[1] Dizem que Nelson Rodrigues rebatia a pecha de chauvinista com a seguinte ressalva: "Nem todas as mulheres gostam de apanhar. Só as normais." Pilhérias à parte, o fato é que, se somos todos contraditórios e oscilamos entre o extremo selvagem e a antítese civilizada, o comportamento feminino não seria exceção: ora querem ser tratadas como dama, ora como vagabunda. Tudo depende de oportunidade e de parceria. Por isso é compreensível que tenhamos na literatura, dum lado, um Sade carrasco e machista, e, doutro, uma Pauline Réage submissa sem que com isso traia a causa feminista, já que, em última análise, é o livre arbítrio de se submeter espontaneamente que está em jogo. No soneto abaixo ironizo a suposta submissão feminina como algo até invejável por certos machos masoquistas:

SONETO 191 DESVIRTUADO

Mulher nenhuma foi, como Justine,
usada e abusada tantas vezes,
por monges, por bandidos, por burgueses...
Quem mais lhe chegou perto foi Pauline.

A "História de O", porém, melhor define
escravas femininas como reses
treinadas a chicote. Esses franceses!
Não há no mundo quem os recrimine!

Tratar mulher a relho é uma delícia
somente comparável ao pudim
de leite condensado, ou à carícia

da língua sobre o pênis. Quanto a mim,
sonhei que, atrás das grades da polícia,
a nata dos ladrões me trata assim...

[2] A dubiedade entre o cavalheirismo e a brutalidade do macho não escapou ao acurado senso de observação de Bocage, que, no soneto seguinte, poupa a fêmea de maiores violências ao possuí-la, mas se compraz com seus gemidos aflitos na "agonia" do gozo:
[SONETO DO GOZADOR COÇADOR]

"Apre! não metas todo... Eu mais não posso..."
Assim Márcia formosa me dizia;
-- Não sou bárbaro (à moça eu respondia)
Brandamente verás como te coço!

"Ai! por Deus, não... não mais, que é grande! e grosso!"
Quem resistir ao seu falar podia?
Meigamente o coninho lhe batia;
Ela diz "Ah meu bem! meu peito é vosso!"

O rebolar do cu (ah!) não te esqueça
Como és bela, meu bem! (então lhe digo)
Ela em suspiros mil a ardência expressa.

Por te unir fazer muito ao meu umbigo;
Assim, assim... menina, mais depressa!...
Eu me venho... ai Jesus!... vem-te comigo!

[3] Também eu, ao glosar agalopadamente o soneto acima, isolei seu martelado fragmento onde o conceito cavalheiresco apenas faz menção de remediar um ato que, de per si, já é bárbaro por natureza — a posse bucal, da qual fui vítima na infância e condicionou meu masoquismo:
NÃO SOU BÁRBARO (À MOÇA EU RESPONDIA)
BRANDAMENTE VERÁS COMO TE COÇO:

Cuma fêmea eu trepava, certo dia,
Quando pus-lhe o caralho na goela:
No pavor de engasgar, recua ela;
"Não sou bárbaro", à moça eu respondia,
Pois lembrei de repente da agonia
Que passei ao sentir na boca o troço
Dos moleques malacos ("Tu és nosso!")
Cujas bocas escarros me cuspiam...
Se eles fossem gentis assim, diriam:
"Brandamente verás como te coço!" [8.99]

GLAUCO MATTOSO
Poeta, letrista, ficcionista e humorista. Seus poemas, livros e canções podem ser visitados nos sítios oficiais:
http://sites.uol.com.br/glaucomattoso
http://sites.uol.com.br/formattoso

« Voltar